As vivências do luto do paciente oncológico (Las vivencias de luto en el paciente oncológico) Descargar este archivo (7 - As vivências do luto do paciente oncológico.pdf)

Camila Maria de Oliveira Ramos1, Georgia Maria Melo Feijão2 y Cynthia de Freitas Melo3

Universidade de Fortaleza, Fortaleza (Ceará, Brasil)

Resu­mo

Os pacien­tes com cân­cer viven­ciam um luto coti­diano, pelas per­das diá­rias deco­rren­tes da doe­nça e pela pos­si­bi­li­da­de emi­nen­te de mor­te.  a pre­sen­te pes­qui­sa obje­ti­vou com­preen­der as vivên­cias de luto do pacien­te onco­ló­gi­co, inves­ti­gan­do as per­das diá­rias, a pos­si­bi­li­da­de de mor­te e seus sig­ni­fi­ca­dos. Foi rea­li­za­da uma pes­qui­sa explo­ra­tó­ria, de abor­da­gem qua­li­ta­ti­va. Por cri­té­rio de satu­ração, con­tou-se com oito par­ti­ci­pan­tes – pacien­tes onco­ló­gi­cos, que res­pon­de­ram um rotei­ro de entre­vis­ta semi­es­tru­tu­ra­do, cujo dados foram com­preen­di­dos por meio de aná­li­se lexi­cal, com auxí­lio do soft­wa­re Ira­mu­teq. Os resul­ta­dos mos­tram que o luto não é resu­mi­do à mor­te real, físi­ca e defi­ni­ti­va de outro ser, mas se tra­ta da mor­te dos ele­men­tos e sig­ni­fi­ca­dos que têm impor­tân­cia para o indi­ví­duo. Des­sa for­ma, o luto trans­cen­de ao físi­co, com­preen­den­do sen­ti­men­tos, pode­res, papeis e pes­soas. Con­clui-se que as vivên­cias do luto do pacien­te onco­ló­gi­co devem ser res­pei­ta­das e acom­panha­das por fami­lia­res e pro­fis­sio­nais.

Pala­vras-cha­ve: luto, onco­lo­gia, mor­te.

Resu­men

Los pacien­tes con cán­cer expe­ri­men­tan un luto coti­diano, por las pér­di­das dia­rias deri­va­das de la enfer­me­dad y por la posi­bi­li­dad emi­nen­te de muer­te. la pre­sen­te inves­ti­ga­ción obje­ti­vó com­pren­der las viven­cias de luto del pacien­te onco­ló­gi­co, inves­ti­gan­do las pér­di­das dia­rias, la posi­bi­li­dad de muer­te y sus sig­ni­fi­ca­dos. Se reali­zó una inves­ti­ga­ción explo­ra­to­ria, de abor­da­je cua­li­ta­ti­vo. Por cri­te­rio de satu­ra­ción, se con­tó con ocho par­ti­ci­pan­tes – pacien­tes onco­ló­gi­cos, que res­pon­die­ron un iti­ne­ra­rio de entre­vis­ta semi­es­truc­tu­ra­do, cuyos datos fue­ron com­pren­di­dos por medio de aná­li­sis léxi­co, con ayu­da del soft­wa­re Ira­mu­teq. Los resul­ta­dos mues­tran que el luto no se resu­me a la muer­te real, físi­ca y defi­ni­ti­va de otro ser, sino que se tra­ta de la muer­te de los ele­men­tos y sig­ni­fi­ca­dos que tie­nen impor­tan­cia para el indi­vi­duo. De esta for­ma, el luto tras­cien­de al físi­co, com­pren­dien­do sen­ti­mien­tos, pode­res, pape­les y per­so­nas. Se con­clu­ye que las viven­cias del luto del pacien­te onco­ló­gi­co deben ser res­pe­ta­das y acom­pa­ña­das por fami­lia­res y pro­fe­sio­na­les.

Pala­bras cla­ve: luto, onco­lo­gia, muer­te.

Introdução

O cân­cer é o nome gené­ri­co para mais de 100 tipos dife­ren­tes de doe­nças carac­te­ri­za­das pelo cres­ci­men­to des­or­de­na­do de célu­las agres­si­vas e incon­tro­lá­veis. Um pro­ble­ma de saú­de públi­ca mun­dial, com 8,2 milhões de mor­tes por ano no mun­do e uma esti­ma­ti­va de 20 milhões de casos novos até 2025 (Ins­ti­tu­to Nacio­nal de Cân­cer José Alen­car Gomes da Sil­va [INCA], 2016).

Uma doe­nça que, devi­do aos altos índi­ces de mor­bi­mor­ta­li­da­de e des­gas­te do tra­ta­men­to, é estig­ma­ti­za­da social­men­te, carac­te­ri­za­da pela per­da, dor, muti­lação e mor­te de seus pacien­tes. Por esse moti­vo, a des­co­ber­ta de seu diag­nós­ti­co é geral­men­te de difí­cil acei­tação e seu tra­ta­men­to exi­ge bas­tan­te apoio e cui­da­do de equi­pe inter­dis­ci­pli­nar (Almei­da et al., 2015; Díaz-Ama­ya, Rodrí­guez-Reyes, Tru­ji­llo-Oso­rio, & Pala­cios-Espi­no­sa, 2013; Lei­tão, Duar­te, & Bet­te­ga, 2013; Morais & Andra­de, 2013; Perei­ra, Pin­to, Muniz, Car­do­so, & Wexel, 2013; Sales, Almei­da, Wakiu­chi, Pio­lli, & Reti­ce­na, 2014).

Duran­te esse pro­ces­so, a cada nova fase da doe­nça e do tra­ta­men­to, o pacien­te des­en­vol­ve novas sig­ni­fi­cações sobre dife­ren­tes aspec­tos. Temas esses que são essen­ciais para a com­preen­são da reali­da­de vivi­da por ele e des­se com­ple­xo que ele está viven­cian­do, a citar: o tra­ta­men­to e suas per­das, a dor, a vida, a mor­te e o luto (Sales et al., 2014; Siquei­ra, San­tos, Gomez, Sal­ta­re­li, & Sou­sa, 2015). Median­te o expos­to, as temá­ti­cas supra­ci­ta­das serão des­en­vol­vi­das ao lon­go des­te manus­cri­to.

O tra­ta­men­to é pla­ne­ja­do no iní­cio do pro­ces­so, logo após o diag­nós­ti­co, de for­ma sin­gu­lar, de acor­do com as espe­ci­fi­ci­da­des de cada pacien­te, poden­do ser rea­li­za­do dife­ren­tes tipos de inter­ve­nção; sen­do as prin­ci­pais a cirur­gia, a radio­te­ra­pia (RT) e a qui­mio­te­ra­pia (QT). Duran­te essa fase, os pacien­tes têm seu cor­po afe­ta­do, na for­ma bio­ló­gi­ca, assim como seu emo­cio­nal, psi­co­ló­gi­co, espi­ri­tual e social, envolvendo‑o de modo inte­gral e sin­gu­lar. A cada dia sofrem novas per­das de cunho físi­co, como tam­bém psi­co­ló­gi­co, pois se per­de não ape­nas a saú­de, mas tam­bém os pla­nos de vida, a auto­no­mia e a liber­da­de. Há tam­bém a pos­si­bi­li­da­de de remoção de um órgão ou um teci­do por meio de pro­ce­di­men­to cirúr­gi­co, com per­das, tan­to pela muti­lação físi­ca, como pelo sig­ni­fi­ca­do do órgão per­di­do (Acos­ta, Kri­ko­rian, & Pala­cio, 2015; Alcan­ta­ra, San­t’an­na, & Sou­za, 2013; Díaz-Ama­ya et al., 2013; Cos­ta & Cha­ves, 2012; Fros­sard, 2016; Men­do­nça, Morei­ra, & Car­valho, 2012; Morais & Andra­de, 2013; Sales et al., 2014; Yun­ta, 2016).  

O cân­cer e o pro­ces­so de tra­ta­men­to tra­zem con­si­go tam­bém a par­ti­cu­la­ri­da­de da dor, de uma dor total – físi­ca, psí­qui­ca, social e espi­ri­tual. Deve ser enten­di­da no con­tex­to do sofri­men­to do pacien­te, valo­ri­zan­do o olhar, a refle­xão e a sig­ni­fi­cação da expe­riên­cia a par­tir do dis­cur­so do mes­mo (Cos­ta & Cha­ves, 2012; Siquei­ra et al., 2015).

Por outro lado, o pacien­te viven­cia o diá­lo­go pró­xi­mo entre a vida e a mor­te. Dois ele­men­tos social­men­te con­si­de­ra­dos opos­tos, que, no entan­to, são com­ple­men­ta­res (Veras & Morei­ra, 2012). Outros­sim, a mor­te é a úni­ca cer­te­za que o ser humano tem sobre sua exis­tên­cia. Des­sa for­ma, a todo o momen­to ela está o con­tor­nan­do, porém essa infor­mação pode gerar o medo da fini­tu­de huma­na, espe­cial­men­te em uma socie­da­de que rejei­ta e inter­di­ta a mor­te, nega­da e silen­cia­da (Cos­ta & Soa­res, 2015; Veras & Morei­ra, 2012; Yun­ta, 2016). Tema esse abor­da­do pela Tana­to­lo­gia e que dá supor­te teó­ri­co para os cui­da­dos palia­ti­vos (Far­ber, 2013).

Por fim, outro fator em des­ta­que no adoe­ci­men­to é o luto. Um pro­ces­so de reor­ga­ni­zação de ideias, con­ce­pções e cre­nças. É um momen­to de res­sig­ni­fi­cação da mor­te para o pacien­te e a famí­lia. Além dis­so, é uma opor­tu­ni­da­de de repen­sar e repla­ne­jar os sig­ni­fi­ca­dos da vida e as vivên­cias rea­li­za­das. Um pro­ces­so que pode acon­te­cer mui­to antes da mor­te real e não se fun­da­men­ta uni­ca­men­te na mor­te físi­ca. Ain­da mais, está rela­cio­na­da aos aspec­tos da vida do indi­ví­duo, que estão rela­cio­na­das à pró­pria essên­cia do ser humano e sua his­tó­ria de vida (Fer­nan­des et al., 2013). 

O luto é um momen­to de viver a dor e o sofri­men­to da per­da e da mor­te. Não se resu­me, exclu­si­va­men­te à mor­te, mas tam­bém às per­das diá­rias da vida; e tam­bém à per­da de algo impor­tan­te e rele­van­te ao indi­ví­duo. As per­das expres­sam mui­to mais do que a fal­ta de algo ou alguém, mas a relação entre eles, o sim­bo­lis­mo dado e o sen­ti­men­to asso­cia­do. Pro­ces­so de luto que se faz neces­sá­rio para a ela­bo­ração de uma per­da, embo­ra mui­tas vezes pos­sa se pro­lon­gar, e ser pato­lo­gi­za­do ou até medi­ca­li­za­do, espe­cial­men­te na socie­da­de moder­na, onde a dor e o sofri­men­to ten­dem a ser recri­mi­na­dos e silen­cia­dos (Veras & Morei­ra, 2012; Yun­ta, 2016).

Faz-se impor­tan­te, por­tan­to, iden­ti­fi­car, reconhe­cer, com­preen­der e apoiar o pacien­te com cân­cer em seus dife­ren­tes está­gios de luto – rai­va, negação e iso­la­men­to, bar­ganha, depres­são e acei­tação. A fase da rai­va sur­ge por meio dos sen­ti­men­tos nega­ti­vos, que podem ser dire­cio­na­dos a ter­cei­ros (famí­lia e pro­fis­sio­nais). A bar­ganha apre­sen­ta a pos­si­bi­li­da­de do pacien­te em fazer tro­cas e acor­dos que pro­lon­guem a sua vida ou ele­men­tos do seu inter­es­se, des­se modo ten­tan­do se dis­tan­ciar da mor­te. A negação do indi­ví­duo dian­te da mor­te é uma fase na qual não há acei­tação da sua doe­nça, não a reconhe­ce. A depres­são se con­fi­gu­ra como um momen­to de per­da, que pode ser divi­di­do em per­da reati­va e a per­da pre­pa­ra­tó­ria. Por fim, a fase da acei­tação oco­rre quan­do o pacien­te acei­ta o pro­ces­so que está acon­te­cen­do com ele e a opor­tu­ni­da­de de expor os sen­ti­men­tos e os acon­te­ci­men­tos, se per­mi­tin­do viven­ciá-los (Alcan­ta­ra et al., 2013; Almei­da et al., 2015; Kübler-Ross, 1996).

Den­tro des­sa pers­pec­ti­va da doe­nça, tra­ta­men­to, per­da, dor, vida, mor­te e luto no con­tex­to do cân­cer, sur­gem os cui­da­dos palia­ti­vos, como abor­da­gem que atua jun­to aos pacien­tes que pos­suem doe­nças com ris­co à vida, do diag­nós­ti­co até a mor­te (quan­do essa oco­rre). Auxi­liam no pro­ces­so cura­ti­vo da doe­nça; e, quan­do não há mais pos­si­bi­li­da­des da con­ti­nuação do tra­ta­men­to cura­ti­vo, con­ti­nuam a fazer o seu tra­balho até o final da vida do pacien­te, ofe­re­cen­do qua­li­da­de de vida e de mor­te. Para tan­to, aju­dam o pacien­te a res­sig­ni­fi­car a doe­nça, dimi­nuir sua dor e viven­ciar e ela­bo­rar seus lutos diá­rios (Car­valho & Par­sons, 2012; Cos­ta & Soa­res, 2015; Fer­nan­des et al., 2013; Fros­sard, 2016; Men­des & Vas­con­ce­llos, 2015; Men­des et al., 2014; Men­do­nça et al., 2012; OMS, 2016; Sales et al., 2014). 

Nes­se con­tex­to, as relações inter­pes­soais no hos­pi­tal com­preen­dem a tría­de pacien­te ‑famí­lia – pro­fis­sio­nal. Essas relações são impres­cin­dí­veis e pro­mo­vem, se imple­men­ta­das de for­ma sau­dá­vel, uma rede de apoio e cui­da­do entres eles, bus­can­do meca­nis­mos de enfren­ta­men­to do pro­ces­so de adoe­cer e asse­gu­ran­do um supor­te às deman­das e neces­si­da­des, prin­ci­pal­men­te, do pacien­te (Rodri­gues, Ram­dohr Sobrinho, Tole­do, Zer­bet­to, & Ferrei­ra, 2013).

Um dos meca­nis­mos de enfren­ta­men­to mais uti­li­za­do é a espi­ri­tua­li­da­de (para além da reli­gio­si­da­de), que favo­re­ce um espaço para pro­moção da res­sig­ni­fi­cação da doe­nça, da vida e da mor­te. Ela se mani­fes­ta como um aces­so ao for­ta­le­ci­men­to e espe­ra­nça do indi­ví­duo para lidar com o pro­ces­so de adoe­ci­men­to e tra­ta­men­to, com os aspec­tos do pró­prio indi­ví­duo e suas sig­ni­fi­cações (Beni­tes, Neme, & San­tos, 2017; Miran­da, Lan­na, & Felip­pe, 2015).

Dian­te do que foi expos­to, com­preen­de-se que o pacien­te onco­ló­gi­co tem per­das diá­rias de dis­tin­tas sig­ni­fi­cações, poden­do ser con­cre­tas, abs­tra­tas ou conec­ta­das à pró­pria essên­cia.  Per­das não res­tri­tas à mor­te na esfe­ra orgâ­ni­ca, mas per­meia sobre a auto­no­mia, a sub­je­ti­vi­da­de e o plano emo­cio­nal do pacien­te em si. Faz-se neces­sá­rio dar voz ao pacien­te onco­ló­gi­co, res­ga­tan­do sua sub­je­ti­vi­da­de no adoe­cer, em suas per­das, mor­te e luto, para que assim pos­sa-se ofe­re­cer qua­li­da­de de vida e de mor­te, em ver­da­dei­ra inte­gra­li­da­de, ao pacien­te onco­ló­gi­co.

Des­sa for­ma, o obje­ti­vo da pre­sen­te pes­qui­sa foi com­preen­der as vivên­cias de luto do pacien­te onco­ló­gi­co, inves­ti­gan­do as per­das diá­rias, a pos­si­bi­li­da­de de mor­te e seus sig­ni­fi­ca­dos. Bus­cou-se ain­da iden­ti­fi­car as per­das diá­rias viven­cia­das pelo pacien­te onco­ló­gi­co; veri­fi­car como os pacien­tes onco­ló­gi­cos lidam com as per­das diá­rias; exa­mi­nar como os pacien­tes onco­ló­gi­cos lidam e veem a mor­te; com­preen­der a relação pacien­te-famí­lia-pro­fis­sio­nais dian­te do cân­cer e da mor­te e inves­ti­gar como os temas cân­cer e luto são dia­lo­ga­dos com os pacien­tes.

Metódo

Tipo de estudo

Foi rea­li­za­da uma pes­qui­sa explo­ra­tó­ria e des­cri­ti­va, de abor­da­gem qua­li­ta­ti­va que bus­cou apro­fun­dar sobre este tema.

Participantes

Con­tou-se com a par­ti­ci­pação de oito pacien­tes onco­ló­gi­cos, por cri­té­rio de satu­ração. Entre os cri­té­rios de inclu­são, con­si­de­rou-se ser pacien­te onco­ló­gi­co em tra­ta­men­to ou que já teve cân­cer há no máxi­mo 5 anos, de ambos os sexos, e ter mais de 18 anos.

  • Par­ti­ci­pan­te 1 – Sexo femi­nino. 46 anos. 2º grau com­ple­to. Pro­fes­so­ra. Resi­de no inte­rior do Cea­rá. Cân­cer de mama e fíga­do des­de 2015. Em acom­panha­men­to.
  • Par­ti­ci­pan­te 2 – Sexo femi­nino. 26 anos. Cur­san­do ensino supe­rior. Não tra­balha. Resi­de no inte­rior do Cea­rá. Lin­fo­ma de não Hodg­kin no medias­tino des­de 2016. Fazen­do tra­ta­men­to.
  • Par­ti­ci­pan­te 3 – Sexo femi­nino. 49 anos. Mes­tra­do em Edu­cação. Pro­fes­so­ra. Resi­de em For­ta­le­za (CE). Cân­cer de tireoi­de des­de 2016. Em acom­panha­men­to.
  • Par­ti­ci­pan­te 4 – Sexo femi­nino. 19 anos. Ensino médio com­ple­to. Não tra­balha. Resi­de no inte­rior do Cea­rá. Pos­suiu osteor­sa­co­ma em 2011, com reci­di­va em 2016. Fazen­do tra­ta­men­to.
  • Par­ti­ci­pan­te 5 – Sexo mas­cu­lino. 42 anos. Ensino médio com­ple­to. Pas­tor. Resi­de no inte­rior do Cea­rá. Cân­cer de pele des­de 2015 ain­da. Fazen­do tra­ta­men­to.
  • Par­ti­ci­pan­te 6 – Sexo femi­nino. 54 anos. Mes­tra­do em Edu­cação. Pro­fes­so­ra. Resi­de no inte­rior do Cea­rá. Cân­cer de mama, des­de 2016. Fazen­do tra­ta­men­to.
  • Par­ti­ci­pan­te 7 – Sexo femi­nino. 50 anos. Anal­fa­be­ta. Não tra­balha. Resi­de no inte­rior do Cea­rá. Cân­cer tireoi­de des­de 2013. Fazen­do tra­ta­men­to.
  • Par­ti­ci­pan­te 8 – Sexo femi­nino. 46 anos. Ens. Fund. Incom­ple­to. Agri­cul­to­ra. Não tra­balha. Resi­de no inte­rior do Cea­rá. Cân­cer no ová­rio e no estô­ma­go des­de 2013. Em acom­panha­men­to.

Instrumento

Foi uti­li­za­do um rotei­ro de entre­vis­ta semi­es­tru­tu­ra­do com­pos­to por 21 per­gun­tas, con­ten­do as seguin­tes cate­go­rias de con­teú­dos: 1) O con­tex­to e infor­mações da doe­nça; (2) As relações pacien­te-famí­lia-pro­fis­sio­nais; (3) A per­ce­pção sobre a per­da, mor­te e luto do pacien­te com cân­cer; e (4) As vivên­cias e apren­di­za­gem do cân­cer.

Procedimentos Éticos e de Coleta de Dados

Após apro­vação do Con­selho de Éti­ca em Pes­qui­sa sob pare­cer Nº 2.066.515, foram con­ta­ta­dos os par­ti­ci­pan­tes para pes­qui­sa e, após acei­te, rea­li­za­do agen­da­men­to da entre­vis­ta. Em segui­da as entre­vis­tas oco­rre­ram de for­ma indi­vi­dual, em ambien­te reser­va­do, de escolha dos par­ti­ci­pan­tes, com o auxí­lio do gra­va­dor, res­pei­tan­do todos os aspec­tos éti­cos pro­pos­tos para pes­qui­sas com seres huma­nos pela reso­lução nº 466/12

Análise dos Dados

Com auxí­lio do soft­wa­re IRAMUTEQ (Inter­fa­ce de R pour les Analy­ses Mul­ti­men­sion­ne­lles de Tex­tes et de Ques­tion­nai­res) (Camar­go & Jus­to, 2013), foram rea­li­za­das aná­li­ses lexi­co­grá­fi­cas clás­si­cas do Ira­mu­teq para veri­fi­cação de esta­tís­ti­ca de quan­ti­da­de de evo­cações e for­mas. Obte­ve-se a Clas­si­fi­cação Hie­rár­qui­ca Des­cen­den­te (CHD), para veri­fi­cação do den­do­gra­ma com as clas­ses emer­gi­das, des­con­si­de­ran­do as pala­vras com x2 < 3,80 (p < 0,05). Foi rea­li­za­da a Aná­li­se Fato­rial por Corres­pon­dên­cia (AFC). Foi fei­ta a Aná­li­se de Simi­li­tu­de, que a par­tir da teo­ria dos gra­fos, per­mi­tiu iden­ti­fi­car as oco­rrên­cias entre as pala­vras e sua cone­xi­da­de. Emi­tiu-se a Nuvem de Pala­vras, que agru­pa as pala­vras e as orga­ni­za gra­fi­ca­men­te em função da sua fre­quên­cia.

Resultados e Discussão

As aná­li­ses foram rea­li­za­das com a fina­li­da­de de com­preen­der as vivên­cias de luto do pacien­te onco­ló­gi­co, inves­ti­gan­do as per­das diá­rias, a pos­si­bi­li­da­de de mor­te e seus sig­ni­fi­ca­dos. O cor­pus geral­foi cons­ti­tuí­do por 879 seg­men­tos de tex­to (ST), com apro­vei­ta­men­to de 723 STs (82,25%). O mate­rial apre­sen­tou 28.939 oco­rrên­cias (pala­vras, for­mas ou vocá­bu­los), sen­do 3.022 pala­vras dis­tin­tas e 1.453 com uma úni­ca oco­rrên­cia. O con­teú­do ana­li­sa­do foi dis­tri­buí­do em cin­co clas­ses: Clas­se 1, com 24,34% das ST; Clas­se 2, com 18,36% das ST; Clas­se 3, com 15,91% das ST, Clas­se 4, com 15,90% das ST e Clas­se 5, com 25,69% das ST.

Des­ta­ca-se que essas cin­co clas­ses se encon­tram divi­di­das em duas rami­fi­cações (A e B) do cor­pus total em aná­li­se. O sub­cor­pus A, “O rela­cio­na­men­to intra­pes­soal e inter­pes­soal do pacien­te”, com­pos­to pela Clas­se 1 (“As relações inter­pes­soais no con­tex­to da doe­nça”) e Clas­se 5 (“A dor e a res­sig­ni­fi­cação da vida”), que se refe­re às relações do pacien­te com ele mes­mo, com outras pes­soas que fazem par­te de seu cam­po social  e o que o mes­mo apren­deu com essas relações; e o sub­cor­pus B, deno­mi­na­do “As impli­cações do pro­ces­so de adoe­ci­men­to e tra­ta­men­to do cân­cer no pacien­te”, con­tém os dis­cur­sos corres­pon­den­tes à Clas­se 2 (“Ser o pacien­te onco­ló­gi­co e a con­fia­nça no médi­co”), Clas­se 3 (“Os medos e a espi­ri­tua­li­da­de como meca­nis­mo de enfren­ta­men­to) e Clas­se 4 (“O rece­bi­men­to do diag­nós­ti­co e as per­das e luto do pacien­te com cân­cer”), que con­tem­pla as expe­riên­cias de ser pacien­te onco­ló­gi­co e os efei­tos em seu cor­po, psi­co­ló­gi­co e cre­nças (ver Figu­ra 1).

Figura 1 – Dendograma da Classificação Hierárquica Descendente.

Para cada clas­se, ela­bo­rou-se um orga­no­gra­ma com a lis­ta de pala­vras de cada clas­se gera­das a par­tir do tes­te qui-qua­dra­do. Nele emer­gem as evo­cações que apre­sen­tam voca­bu­lá­rio semelhan­te entre si e voca­bu­lá­rio dife­ren­te das outras clas­ses (ver Figu­ra 2). A seguir serão des­cri­tas, ope­ra­cio­na­li­za­das e exem­pli­fi­ca­das cada uma des­sas clas­ses emer­gi­das na Clas­si­fi­cação Hie­rár­qui­ca Des­cen­den­te.

Figura 2 – Diagrama de classes com as vivências do luto do paciente oncológico.

3.1 Classificação Hierárquica Descendente

Classe 1 – As relações interpessoais no contexto da doença

Com­preen­de 24,34% (f = 176 ST) do cor­pus total ana­li­sa­do. Com­pos­ta por pala­vras e radi­cais no inter­va­lo entre x2 = 3,86 (Gen­te) e x2 = 57,78 (Mui­to). Essa clas­se é com­pos­ta por pala­vras como “Mui­to” (χ2> 57,78), “Tam­bém” (χ2> 56,94), “Aju­dar” (χ2> 55,75), “Situação” (χ2> 42,80), “Impor­tan­te” (χ2> 32,31), e “Aca­bar” (χ2> 32,32). Pre­do­mi­na­ram as evo­cações dos par­ti­ci­pan­tes do sexo femi­nino, em que a par­ti­ci­pan­te 02 está fazen­do ensino supe­rior (60 ST; x2 = 85,60) e a par­ti­ci­pan­te 03 é mes­tre (56 ST; x2 = 106,89). Na aná­li­se rea­li­za­da, veri­fi­cou-se que estão elen­ca­das as relações que os pacien­tes cons­troem e for­ta­le­cem no con­tex­to hos­pi­ta­lar duran­te o tra­ta­men­to do cân­cer; entre elas, a relação pacien­te-famí­lia, pacien­te-pacien­te e pacien­te-pro­fis­sio­nal.

Na relação entre pacien­te e famí­lia, os entre­vis­ta­dos tra­zem o apoio de seus fami­lia­res, que dão supor­te emo­cio­nal e finan­cei­ro, além de for­ta­le­cê-los e apro­xi­má-los peran­te a doe­nça. Por outro lado, alguns tra­zem dis­cur­sos sobre a fal­ta de aju­da da famí­lia, que pos­te­rior­men­te refle­te nos con­teú­dos do pacien­te.

“[…] Me aju­da­do mui­to, me aju­da­do não, me aju­da, né. Me aju­dam mui­to de sobre ali­men­to, sobre, enfim, quan­do eu tô com uma difi­cul­da­de, só bas­ta ir na minha famí­lia, pagar exame, pagar, com­prar medi­ca­men­to pra mim, é, tudo enquan­to. Eles me aju­da­ram mui­to, graças a Deus. Minha famí­lia, nós somo mui­to uni­do. Minha mãe tem 105 netos e 88 bis­ne­tos e seis tata­ra­ne­tos. […] No caso de doe­nça todo mun­do tá jun­to pra aju­dar. Eu não tenho de ruim da minha famí­lia, já deu foi uma benção na minha famí­lia. Me aju­da­ram mui­to. Nun­ca fiquei des­pre­za­da, nenhum dia, da minha famí­lia” (Par­ti­ci­pan­te 8).

“[…] Então, eles me aju­da­ram em todo esse pro­ces­so. Minhas filhas tam­bém no sen­ti­do de, é, de estar mais pró­xi­mas a, de esta­rem mais pró­xi­ma a mim, né” (Par­ti­ci­pan­te 3).

 “Assim, minha famí­lia não liga­va mui­to, pra eles, assim, eles pen­sa­vam que era ape­nas uma gri­pe, essas coi­sas. Por­que a úni­ca, dos dois tra­ta­men­tos que eu fiz, a úni­ca que teve do meu lado foi a minha mãe. Minha famí­lia tava nem aí” (Par­ti­ci­pan­te 4).

Segun­do Rodri­gues et al. (2013), a famí­lia do pacien­te faz par­te do supor­te de apoio e cui­da­do, ampa­ran­do suas neces­si­da­des e deman­das e auxi­lian­do no enfren­ta­men­to do adoe­cer. Igual­men­te, a famí­lia pre­ci­sa ser cui­da­da, pois seus mem­bros tam­bém adoe­cem, jun­ta­men­te com pacien­te, uma vez que a doe­nça modi­fi­ca toda estru­tu­ra fami­liar.

O pró­xi­mo pon­to retra­ta­do foi a relação entre pacien­tes. Os entre­vis­ta­dos elen­cam que nes­sa relação emer­ge um cená­rio de ensi­na­men­tos, no qual eles com­par­tilham infor­mações e vivên­cias, sobre a doe­nça e o tra­ta­men­to, com outros pacien­tes e/ou acom­panhan­te de outros pacien­tes, com o intui­to de des­mis­ti­fi­car algu­mas carac­te­rís­ti­cas, medos e escla­re­cer as pos­si­bi­li­da­des da doe­nça e do tra­ta­men­to. Des­sa for­ma, mos­tra-se que o pacien­te pode ser tor­nar um agen­te atuan­te no acolhi­men­to das deman­das dos outros pacien­tes. 

“[…] eu tam­bém falo isso mui­to quan­do eu venho aqui pro ICC, por­que eu não venho só por aca­so, eu venho pra visi­tar nos lei­tos, eu venho pra ir na por­ta da UTI con­ver­sar com alguém que este­ja é, pas­san­do por algu­ma difi­cul­da­de, algum pro­ble­ma. E eu sem­pre digo pros acom­panhan­tes que eles por mais tris­tes, por mais aba­ti­dos que este­jam, eles não dei­xem trans­pa­re­cer ao pacien­te aque­la tris­te­za, por­que a gen­te quer jus­ta­men­te que alguém nos olhe com olhar de espe­ra­nça que isso faz com que a gen­te se sin­ta for­te” (Par­ti­ci­pan­te 2).

“Assim, por­que eu vejo pes­soas que estão em situação qua­se que eu, né. Então, eu até con­ver­so com mui­tos, quan­do eu venho pra con­sul­ta. Então, eu que­ro repas­sar, por­que tipo, ficar tris­te não adian­ta e se aba­ter tam­bém não. Se aba­ter, a doe­nça vem com tudo. Eu que­ro aju­dar, pas­sar o que eu pas­sei ou que eu vivi e como é que eu pos­so dizer? O que eu pas­sei, o que eu vivi e aju­dar aque­las pes­soas que estão em tra­ta­men­to” (Par­ti­ci­pan­te 4).

A tría­de, refo­rça­da em toda a lite­ra­tu­ra de psi­co­lo­gia hos­pi­ta­lar, refe­re-se ao pacien­te-famí­lia-pro­fis­sio­nal (Rodri­gues et al., 2013), porém, nos dis­cur­sos dos par­ti­ci­pan­tes, sur­giu outro tipo de relação, pou­co conhe­ci­da: entre os pacien­tes. À vis­ta dis­so, se faz neces­sá­rio, pos­te­rior­men­te, rea­li­zar uma pes­qui­sa sobre a impor­tân­cia des­sa relação na com­preen­são do pro­ces­so e pecu­lia­ri­da­des do adoe­ci­men­to do pacien­te.

A relação entre o pacien­te e o pro­fis­sio­nal tam­bém sur­ge com bas­tan­te fre­quên­cia na fala dos par­ti­ci­pan­tes. O con­ta­to des­ses dois per­so­na­gens oco­rre des­de a des­co­ber­ta da doe­nça, per­du­ran­do por todas as fases do tra­ta­men­to. Os entre­vis­ta­dos rela­tam que o víncu­lo com os pro­fis­sio­nais foi esta­be­le­ci­do de for­ma posi­ti­va, no qual, os viam como agen­tes que foram além do cui­da­do em saú­de, mas que os aju­da­ram, apoia­ram, crian­do assim víncu­los de ami­za­de.

“Por­que elas me aju­dam mui­to, esses pro­fis­sio­nais me aju­dam mui­to […] por­que eu venho, eu cho­ro de sau­da­des, eu fico me per­gun­tan­do como está fulano, cicrano, bel­trano e se eu venho, se eu venho mar­car um exame, eu não vou mar­car um exame, eu venho visi­tar os meus ami­gos, eu vou visi­tar o pes­soal que tá nos lei­tos, vou visi­tar na por­ta da UTI, eu vou falar com todo mun­do, eu vou pro­cu­rar por todo mun­do. Por­que o víncu­lo foi mara­vilho­so e eles me aju­da­ram demais” (Par­ti­ci­pan­te 2).

“[…] eu me sen­ti mui­to bem ampa­ra­da tam­bém, mui­to bem assis­ti­da. Assim, olha a feli­ci­da­de de ter uma gine­co­lo­gis­ta que soli­ci­ta um exame des­se e se dar con­ta, né, de que algo não tá bem, por­que nem era da espe­cia­li­da­de dela, diga­mos assim, né. […] Quer dizer, eu acho que eu tive a feli­ci­da­de de é, de ter encon­tra­do bons pro­fis­sio­nais que pudes­sem me con­du­zir bem dian­te des­sa situação. Um cirur­gião tam­bém foi é impor­tan­te. Até o radio­lo­gis­ta que, às vezes, é uma coi­sa, né, você faz um ultras­som que é uma coi­sa tão ime­dia­ta, mas ele teve todo o cui­da­do […]” (Par­ti­ci­pan­te 3).

Nes­sa pers­pec­ti­va, a lite­ra­tu­ra mos­tra que os pacien­tes e fami­lia­res dian­te do cân­cer neces­si­tam de apoio e de cui­da­dos, por par­te de uma equi­pe inter­dis­ci­pli­nar (Almei­da et al., 2015; Lei­tão et al., 2013; Morais & Andra­de, 2013; Perei­ra et al., 2013; Sales et al., 2014), ou seja, for­ne­cen­do, prin­ci­pal­men­te, acolhi­men­to para ter aces­so às infor­mações neces­sá­rias para se fazer e gerar saú­de (Rodri­gues et al., 2013). Os par­ti­ci­pan­tes aqui ampliam essa rede de cola­bo­ração, retra­tan­do as expe­riên­cias inter­pa­cien­tes.

Classe 2 – Ser o paciente oncológico e a confiança no médico

Foi cons­ti­tuí­da por 18,36% (f = 132 ST) do cor­pus total ana­li­sa­do. Com­pos­ta por pala­vras e radi­cais no inter­va­lo entre x2 = 3,86 (Levar) e x2 = 64,27 (Dizer). Apre­sen­ta pala­vras como “Dizer” (χ2> 64,27), “Tô” (χ2> 48,99), “Dou­tor” (χ2> 35,18), “Per­gun­tar” (χ2> 34,63) e “Mulher” (χ2> 28,10). Pre­do­mi­na­ram as evo­cações dos par­ti­ci­pan­tes do sexo femi­nino e com ida­des apro­xi­ma­das. Par­ti­ci­pan­te 01 (22 ST; x2 10,52) e do par­ti­ci­pan­te 06 (35 ST; x2 = 17,03). Na aná­li­se rea­li­za­da, veri­fi­cou-se que estão con­tem­pla­dos os dis­cur­sos sobre como é ser pacien­te onco­ló­gi­co e as impli­cações de sê-lo e sobre a con­fia­nça esta­be­le­ci­da do pacien­te com os médi­cos.

Os entre­vis­ta­dos rela­tam sobre as con­se­quên­cias e efei­tos cola­te­ra­is dos tra­ta­men­tos rea­li­za­dos. Enfa­ti­za­ram os efei­tos da cirur­gia e a ele­vação da tem­pe­ra­tu­ra cor­po­ral oca­sio­na­da pela hor­mo­nio­te­ra­pia. Rela­ta­ram ain­da sobre a roti­na de con­sul­tas e retor­nos para moni­to­rar a evo­lução ou regres­são do cân­cer.

“E um ano depois que o lin­fo­no­do começou a alte­rar e vie­mos pra roti­na, né, que é as con­sul­tas de roti­na, já tava uma a cada seis meses que elas vão, que foi diag­nos­ti­ca­do um outro mela­no­ma de pele e o médi­co dis­se que já eram bem agres­si­vas e tive­mos que tirar todos os lin­fo­no­dos da região” (Par­ti­ci­pan­te 5).

“O lado com é que eu, hoje, eu tô me sen­tin­do, tô cura­da, em nome de Jesus. Por­que eu vim fazer o meu exame hoje e dia 24, eu venho pra minha con­sul­ta. No dia que eu vim, ele falou pra mim: ‘Oia, seus exame se der tudo bom, cê vai ficar vin­do ago­ra só um ano’. Que é para o ano, né. Eu tenho fé em Deus que para o ano, ele me liber­ta do tra­ta­men­to. É cin­co ano, né. Diz que é cin­co ano, des­te meu tra­ta­men­to. Aí, se Deus qui­ser para o ano, tô livre” (Par­ti­ci­pan­te 7).

Assim sen­do, obser­va-se que duran­te o tra­ta­men­to o pacien­te tem seu cor­po afe­ta­do que vai além do cam­po bio­ló­gi­co (Alcan­ta­ra et al., 2013; Cos­ta & Cha­ves, 2012; Fros­sard, 2016; Men­do­nça et al., 2012; Morais & Andra­de, 2013; Sales et al., 2014). Nes­se aspec­to, é per­cep­tí­vel o incô­mo­do dos pacien­tes com esses efei­tos cola­te­ra­is e a ânsia para estar cura­da e se liber­tar do tra­ta­men­to.

Outros­sim, os entre­vis­ta­dos reve­lam a con­fia­nça na figu­ra do médi­co, bem como nas deci­sões sobre as inter­ve­nções cirúr­gi­cas e tra­ta­men­tos toma­das pelo mes­mo. Em vis­ta dis­so, se per­ce­be que os pacien­tes dão total auto­no­mia ao médi­co.

“Aí, o dou­tor sério, ele foi logo dizen­do: ‘A gen­te vamo tirar’. ‘Vamo sim’. Aí, ele arran­jou um médi­co. Aí, eu fui e fiz a biop­sia, né. Aí, isso dia 20 de outu­bro. Aí, ele, eu vim pro hos­pi­tal aqui dia 19, né. Me inter­nei, quan­do foi dia vin­te, ele tirou. Ele per­gun­tou se pode­ria tirar a mama. Eu digo: ‘Senhor, faça o que você qui­ser’. ‘Se for pra tirar, tire, faça o que o senhor achar que deve’. Mas ele tirou só qua­dran­te, acho que ele achou que pre­ci­sa­ria tirar só o qua­dran­te, graças a Deus’ (Par­ti­ci­pan­te 6).

“Dou­tor V. ave maria, dou­tor V. foi uma bença, foi um anjo na minha vida. Eu pos­so dizer que a pri­mei­ra­men­te Deus, segun­do dou­tor V. me sal­vou. Teve dou­tor O.; tam­bém, lá no Sobral, que é daqui. Teve o dou­tor L. que cui­dou, que eu come­cei em Sobral, né. Aí, depois, eles fala­ram que ia sim­bo­ra pra cá. Aí, ‘Oh dou­tor, pela amor de Deus, me leve, me leve, eu com você pra For­ta­le­za, né. Que eu que­ro me tra­tar lá’. Aí, eu sei que vie­ram. Aí se vie­ram, eles foram uma bença na minha vida. Graças a Deus, foi um anjo des­ceu lá do céu pra cui­dar de mim, né” (Par­ti­ci­pan­te 5).

Sobre esse aspec­to, Rodri­gues et al. (2013) fri­sam as relações inter­pes­soais como essen­ciais a todos os inte­gran­tes da tría­de (pacien­te – famí­lia – pro­fis­sio­nal), que aju­dam no pro­ces­so de adoe­ci­men­to e tra­ta­men­to. Isto posto, essa con­fia­nça dele­ga­da ao médi­co faci­li­ta a ade­são dos tra­ta­men­tos e auxi­lia a lidar com sen­ti­men­tos de medo e ansie­da­de dian­te da doe­nça.

Classe 3 – Os medos e a espiritualidade como mecanismo de enfrentamento

É cons­ti­tuí­da por 15,91% (f = 115 ST) do cor­pus total ana­li­sa­do. For­ma­da por pala­vras e radi­cais no inter­va­lo entre x2 = 4,19 (Hos­pi­tal) e x2 = 57,34 (Iodo). Apre­sen­ta pala­vras como “Iodo” (χ2> 57,34), “Deus” (χ2> 48,69), “Graça” (χ2> 43,19), “Depois” (χ2> 42,49) e “Cair” (χ2> 41,48). Pre­do­mi­na­ram as evo­cações dos par­ti­ci­pan­tes do sexo femi­nino e com ida­des apro­xi­ma­das; e do par­ti­ci­pan­te 06 (30 ST; x2 = 13,38), do par­ti­ci­pan­te 07 (26 ST; x2 = 29,96) e do par­ti­ci­pan­te 08 (19 ST; x2 = 14,74). Estes se refe­rem aos medos dian­te do cân­cer e do tra­ta­men­to, seus efei­tos e espi­ri­tua­li­da­de como meca­nis­mo de enfren­ta­men­to, prin­ci­pal­men­te, tra­zen­do o nome de Deus.

Nes­sa clas­se, emer­gi­ram diver­gen­tes medos, como a que­da do cabe­lo, a cirur­gia para implan­tação de uma bol­sa de Colos­to­mia e a mor­te. Além dis­so, os entre­vis­ta­dos que expu­se­ram a carac­te­rís­ti­ca medo, tam­bém tra­zem no mes­mo dis­cur­so a pala­vra Deus. Des­te modo, per­ce­be que a espi­ri­tua­li­da­de se faz pre­sen­te e atuan­te no ambien­te que o pacien­te se encon­tra, mos­tran­do que Deus é evo­ca­do nos dis­cur­sos por inúme­ras vezes.

“O que eu tive mais medo foi de ter a quí­mi­ca de cair meu cabe­lo, por­que quan­do o médi­co dis­se assim: ‘Você vai pas­sar pelo Iodo’. Eu dis­se assim: ‘Vai cair meu cabe­lo?’. Ele dis­se: ‘Não, vai não’. Foi o medo que eu tive, pen­sa­va se fica­va, né, mas graças a Deus, nun­ca tomei outra quí­mi­ca e meu cabe­lo não caiu” (Par­ti­ci­pan­te 7).

“Foi quan­do eu, quan­do na segun­da cirur­gia, foi o dou­tor O. me ope­rou, que ele falou que eu tinha que usar uma bol­sa. As bol­sa, né. Aqui­lo dali me dei­xou eu, dei­xou eu, não sei nem como eu fiquei. Por­que eu sem­pre, eu pedia. ‘Meu Deus, não dei­xa eu usar uma bol­sa daque­la não. Me tira que é melhor que usar uma bol­sa daque­la’. Ago­ra, aque­la, aque­la, dou­tor me dis­se, aque­la, mas tam­bém eu nun­ca dei­xei de acre­di­tar em Deus, né. Sem­pre era de noi­te, eu pedin­do todo dia. ‘Jesus, pela amor de Deus não dei­xa eu usar aque­la bol­sa não, pelo amor de Deus’. Esse foi o medo que me deu, foi usar aque­la bol­sa, mas graça a Deus não pre­ci­sou. Graça a Deus, não pre­ci­sou” (Par­ti­ci­pan­te 8).

“Falou, é. Que quem tinha o pro­ble­ma que eu esta­va ten­do que era o car­ci­no­ma, ela a pes­soa nun­ca sobre­vi­veu. Aí isso, eu fique cho­ca­da na hora e eu ‘Meu Deus, então eu vou morrer mes­mo’, foi isso que eu pen­sei, mas aí depois, eu fui vê, quer saber quem dá o diag­nós­ti­co final da gen­te é Deus, então, eu vou entre­gar a ela, vou dei­xar na mãe dele. Aí, pron­to, des­de esse dia, pedi força e não tive mais medo.” (Par­ti­ci­pan­te 1).

“Sobre o tra­ta­men­to, minha fia, eu vou seguir até quan­do Deus qui­ser. Fazer meu tra­ta­men­to, vê, ter fé em Deus, Nos­sa Senho­ra que nun­ca mais é de vol­tar mais, nos poder de Deus, né. Eu peço todo dia que não vol­te mais e acho que só mes­mo Deus” (Par­ti­ci­pan­te 8).

Assim, mos­tra-se que os medos podem ser diver­sos, depen­den­do dos sig­ni­fi­ca­dos e sen­ti­dos des­ses para cada pacien­te, porém nem sem­pre estão asso­cia­dos somen­te a mor­te, como já foi exem­pli­fi­ca­do aci­ma. Mes­mo assim, emer­ge o con­teú­do do medo da fini­tu­de (Cos­ta & Soa­res, 2015; Veras & Morei­ra, 2012). Por outro lado, Beni­tes et al. (2017) e Miran­da et al. (2015) reve­lam que a espi­ri­tua­li­da­de é um ali­cer­ce do indi­ví­duo que está doen­te, o aju­dan­do a res­sig­ni­fi­car e lidar com o medo, a vida, a doe­nça e a mor­te.

Classe 4 – O recebimento do diagnóstico e as perdas e luto do paciente com câncer

Repre­sen­ta 15,90% (f = 115 ST) do cor­pus total ana­li­sa­do. Com­pos­ta por pala­vras e radi­cais no inter­va­lo entre x2 = 3,84 (Fale­cer) e x2 = 118,38 (Casa). Essa clas­se é com­pos­ta por pala­vras como “Casa” (χ2> 118,38), “Des­co­brir” (χ2> 43,77) “Den­tro” (χ2> 41,91), “Cho­rar” (χ2> 41,62), “Deses­pe­ra­do” (χ2> 37,37). Pre­do­mi­na­ram as evo­cações dos par­ti­ci­pan­tes do par­ti­ci­pan­te 01 (16 ST; x2 = 3,51), par­ti­ci­pan­te 04 (11 ST; x2 = 2,90), par­ti­ci­pan­te 06 (28 ST; x2 = 9,53) e par­ti­ci­pan­te 07 (20 ST; x2 = 11,25). Na aná­li­se rea­li­za­da, veri­fi­cou-se que estão elen­ca­das as impres­sões e reação dos pacien­tes e fami­lia­res ao rece­be­rem o diag­nós­ti­co de cân­cer. São con­tem­pla­das tam­bém as per­das adqui­ri­das no pro­ces­so de adoe­ci­men­to e tra­ta­men­to.

A des­co­ber­ta do cân­cer pode pro­du­zir mui­tas reações no pacien­te e na famí­lia. Os entre­vis­ta­dos demons­tram que quan­do rece­bem o diag­nós­ti­co de cân­cer é uma sur­pre­sa e se reme­tem, em pri­mei­ro momen­to, à mor­te. Para­le­la­men­te, seus fami­lia­res tam­bém rece­bem o diag­nós­ti­co com um pesar e deses­pe­ro, porém tra­zem uma ati­tu­de ati­va de resol­ver, pla­ne­jar e aju­dar o pacien­te.

“Por­que, assim, eu nun­ca ima­gi­na­va de pas­sar por isso. Pra mim, eu sen­tia uma pes­soa super sau­dá­vel que nun­ca ia ter algu­ma doe­nça na vida e tal. Aí, depois que eu come­cei a sen­tir mui­tas dores e des­co­bri que tava com cân­cer, o deses­pe­ro começou. Aí depois vai a tris­te­za, foi assim o tra­ta­men­to todo. Da segun­da vez foi só tris­te­za mes­ma, mas foi logo pas­san­do, depois que eu conhe­ci a R., pas­sou foi tudo” (Par­ti­ci­pan­te 4).

“[…] foi eu que dis­se. Aí, a minha mãe ficou deses­pe­ra­da den­tro de casa, deses­pe­ra­da lá em casa. Aí, foi logo pla­ne­jan­do fazer a cirur­gia. […], mas a mãe ficou deses­pe­ra­da. Eu não me deses­pe­rei não. Eu sei que não é bom, a notí­cia não é boa, não, mas quem tem fé em Deus ven­ce tudo, né. Tenho mui­ta fé em Deus” (Par­ti­ci­pan­te 7).

“Eu tenho uma irmã que ela é doen­te, doen­te, sabe assim, des­co­bre doe­nça e ela fica ahh, aí ela entra em deses­pe­ro. Ela ficou deses­pe­ra­da. Veio rápi­do de São Pau­lo pra cá. Minha outra irmã veio. Eu sei que todos vie­ram, sabe, quan­do sou­be­ram que eu tava pas­san­do por esse pro­ble­ma. Todos vie­ram e cui­da­ram da minha mãe e cui­da­ram de mim tam­bém” (Par­ti­ci­pan­te 1).

Essas reações são refo­rça­das pelo sig­ni­fi­ca­do cul­tu­ral e social do cân­cer, sem­pre asso­cia­do à ideia de sofri­men­to e mor­te. Cre­nças cria­das a par­tir dos altos índi­ces de mor­bi­mor­ta­li­da­de (Almei­da et al., 2015; Lei­tão et al., 2013; Morais & Andra­de, 2013; Perei­ra et al., 2013; Sales et al., 2014).

Os entre­vis­ta­dos falam ain­da das per­das adqui­ri­das ao lon­go do adoe­ci­men­to e tra­ta­men­to. Essas per­das se carac­te­ri­zam no cam­po ocu­pa­cio­nal, com a per­da do empre­go, a impos­si­bi­li­da­de de fazer os ser­viços de casa, aban­do­nar a esco­la, mas, prin­ci­pal­men­te, no cam­po pes­soal, com o dis­tan­cia­men­to de ami­gos e fami­lia­res, por espon­tâ­nea von­ta­de ou não.

A minha espo­sa tá lon­ge do nos­so filho há meses, há tem­po. Nós esta­mos fora de casa já des­de a pas­sa­gem de ano e fala por vídeo, mas ela tá pri­va­da, né, é por mim, é pelo espo­so, é” (Par­ti­ci­pan­te 5).

“A pri­mei­ra coi­sa, eu não con­si­go fazer mui­ta coi­sa. Eu não con­si­go tra­balhar, né. Ain­da que eu con­si­go é ain­da pas­sear, ain­da dá pra ir, mas negó­cio de tra­balhar, lavar uma rou­pa, varrer um terrei­ro. Só tenho uma coi­sa que eu ain­da faço é cui­dar das minhas plan­ta. Que eu tenho mui­ta plan­ta lá em casa, mui­ta rosa. Aí, essas eu não dei­xo de cui­dar não e dos neto, assim de ficar com os neto. Sem­pre cui­do dos neto. Mas mes­mo do ser­viço mes­mo, eu fui ten­tar tra­balhar. Fui tra­balhar, quan­do come­cei a tra­balhar, quan­do foi com um mês e pou­co, eu des­co­bri que tava com uma hér­nia” (Par­ti­ci­pan­te 8).

“Aí, eu come­cei tipo, eu parei de fazer tudo que eu fazia, de estu­dar, de sair, de ir pra casa das minhas ami­gas e tal. Foi assim” (Par­ti­ci­pan­te 4).

Des­sa for­ma, o cân­cer e o tra­ta­men­to faci­li­tam a mani­fes­tação das per­das que podem estar asso­cia­das à auto­no­mia, liber­da­de e relações inter­pes­soais. Per­das que são sin­gu­la­res para cada indi­ví­duo (Alcan­ta­ra et al., 2013; Cos­ta & Cha­ves, 2012; Fros­sard, 2016; Men­do­nça et al., 2012; Morais & Andra­de, 2013; Sales et al., 2014). Per­das que estão rela­cio­na­das tam­bém ao sig­ni­fi­ca­do que o indi­ví­duo dire­cio­na e o sen­ti­men­to inves­ti­do (Veras & Morei­ra, 2012).

Median­te o expos­to, as per­das que os entre­vis­ta­dos apon­ta­ram estão vin­cu­la­das ao luto. Fer­nan­des et al. (2013) des­ta­cam que o luto não se resu­me à mor­te real, físi­ca e defi­ni­ti­va de outro ser, mas se tra­ta da mor­te dos ele­men­tos e sig­ni­fi­ca­dos que têm impor­tân­cia para o indi­ví­duo. Por exem­plo, as falas apre­sen­tam a mor­te da auto­no­mia, do papel de ser mãe e pai pre­sen­tes, da von­ta­de de con­ti­nuar a viver. Des­sa for­ma, o luto trans­cen­de o físi­co, com­preen­den­do sen­ti­men­tos, pode­res, papéis e pes­soas.

Classe 5 – A dor e a ressignificação da vida

Repre­sen­ta 25,59% (f = 185 ST) do cor­pus total ana­li­sa­do. Com­pos­ta por pala­vras e radi­cais no inter­va­lo entre x2 = 3,96 (Per­der) e x2 = 57,19 (Dor). Essa clas­se é com­pos­ta por pala­vras como “Dor” (χ2> 57,19), “Antes” (χ2> 55,31), “Valer” (χ2> 50,63), “Ver­da­dei­ra­men­te” (χ2> 44,55), “CA” (Abre­viação de cân­cer)” (χ2> 38,50). Pre­do­mi­na­ram as evo­cações do úni­co par­ti­ci­pan­te do sexo mas­cu­lino (148 ST; x2 = 321,06). Emer­gem nes­sa clas­se aspec­tos sobre a dor físi­ca e emo­cio­nal e a valo­ri­zação do que o pacien­te acha impor­tan­te depois da expe­riên­cia pelo pro­ces­so de adoe­ci­men­to do cân­cer.

A dor que o entre­vis­ta­do expõe vai além da dor físi­ca, que pode ser con­ti­da com medi­cação. Ele rela­ta outras dores, que nomeiam de “dores da alma”, carac­te­ri­za­das pela dor que se advém do aban­dono de pes­soas impor­tan­tes e/ou a dor que pos­sa está cau­san­do às pes­soas pró­xi­mas, como a famí­lia, paren­tes e/ou ami­gos.

“Mas a gen­te sen­te mui­to dor, pare­ce uma coi­sa fora da lógi­ca, você sen­tir dor, pesar na alma, no coração, o aba­ti­men­to emo­cio­nal e saber que tá oca­sio­nan­do dor pra outras pes­soas, dói mais que o físi­co, isso dói mais, isso é, machu­ca mais que a dor” (Par­ti­ci­pan­te 5).

“Mas moça o, a dor maior do cân­cer não é a dor físi­ca, por­que essas os remé­dios, eles te dão alí­vio. A dor maior do cân­cer sem­pre digo, como hoje, con­ver­san­do lá na radio­te­ra­pia, são as gran­des expec­ta­ti­vas que você cria em relação a ami­gos e paren­tes que nes­se momen­to você não vê” (Par­ti­ci­pan­te 5).

Sen­do assim, o pro­ces­so de saú­de-doe­nça pode­rá resul­tar em dor, em sua con­ce­pção de dor total – físi­ca, psí­qui­ca, social e espi­ri­tual. Uma dor que abran­ge a com­ple­xi­da­de do sujei­to e que deve ser com­preen­di­da den­tro do con­tex­to no qual está inse­ri­do e con­si­de­ran­do suas par­ti­cu­la­ri­da­des (Cos­ta & Cha­ves, 2012; Siquei­ra et al., 2015). Veri­fi­ca-se que essa “dor da alma” é um sen­ti­men­to autên­ti­co àque­le momen­to e pode fazer par­te do pro­ces­so de ela­bo­ração da per­da das relações de pes­soas.

Como con­se­quên­cia, os entre­vis­ta­dos fri­sam tam­bém que a expe­riên­cia do cân­cer, do tra­ta­men­to e dos ele­men­tos já supra­ci­ta­dos nes­sa pes­qui­sa pro­mo­vem um tomar de cons­ciên­cia e apren­di­za­do sobre a valo­ri­zação do que é impor­tan­te para ele, um cui­dar e olhar mais pra si e para os outros a sua vol­ta.

“Na últi­ma con­sul­ta, ela dis­se ‘Vai, vai vol­tar a viver como antes’. E eu não vejo dife­re­nça, é a mes­ma coi­sa e a gen­te faz é apren­der a se cui­dar, a gen­te faz é apren­der real­men­te o que é melhor. Então, é isso” (Par­ti­ci­pan­te 2).

“[…] eu que­ro viver mais tem­po com minha espo­sa, eu que­ro vê é, minha famí­lia, eu que­ro mais tem­po com ela, eu que­ro tirar tem­po pra minha espo­sa, foi a pri­mei­ra coi­sa que eu dis­se ‘Se eu esca­par des­se CA, vou dar ate­nção maior a famí­lia. Vou pas­sar dar a impor­tân­cia ao que tem impor­tân­cia’. E foi duran­te esse pro­ces­so que pas­sei ver­da­dei­ra­men­te a lutar por isso. O que antes me dei­xa­va bra­vo, já não dei­xa mais. O que antes me angus­tia­va, já não me angus­tia mais, por­que eu sei que tem como resol­ver e às vezes, a gen­te se angus­tia com coi­sas peque­nas, né, e a vida é tão frá­gil, tão frá­gil […] (Par­ti­ci­pan­te 5).

Fer­nan­des et al. (2013) afir­mam que esses pro­ces­sos de saú­de-doe­nça e mor­te-luto podem pos­si­bi­li­tar a reor­ga­ni­zação das prio­ri­da­des, valo­res, ideias e con­ce­pções, ou seja, sus­ci­tan­do na res­sig­ni­fi­cação do sen­ti­do da vida e da mor­te para o pacien­te, atra­vés das suas expe­riên­cias. Essas ati­tu­des pro­mo­vem inves­ti­men­tos pes­soais e faci­li­tam no repla­ne­ja­men­to da vida.

3.2 Análise Fatorial de Correspondência      

A par­tir da Aná­li­se Fato­rial por Corres­pon­dên­cia (AFC) foi pos­sí­vel rea­li­zar asso­ciação do tex­to entre as pala­vras, con­si­de­ran­do a fre­quên­cia de inci­dên­cia de pala­vras e as clas­ses, repre­sen­tan­do-as em um plano car­te­siano (ver Figu­ra 3). Obser­va-se que as pala­vras das Clas­ses 2, 3 e 4, difun­dem-se, e estão mais pró­xi­mas, tais como “Per­gun­tar”, “Deus” e “Den­tro”. Nes­te sen­ti­do, aten­ta-se que há uma pre­do­mi­nân­cia nos dis­cur­sos sobre a espi­ri­tua­li­da­de. A par­tir dis­so, enten­de-se que os entre­vis­ta­dos têm uma ligação maior com a sua espi­ri­tua­li­da­de. Segun­do Beni­tes et al. (2017) e Miran­da  et al. (2015), a espi­ri­tua­li­da­de é um meca­nis­mo que sus­ten­ta os indi­ví­duos dian­te do adoe­cer.

Em opo­sição, de for­ma mais iso­la­da, estão as pala­vras da Clas­se 1 – “Aju­dar” e “Impor­tan­te” e da Clas­se 5 – “Dor” e “Antes”. Em vis­ta dis­so, nota-se que o foco do dis­cur­so dos entre­vis­ta­dos, do sexo mas­cu­lino são a sua dor rela­cio­na­da a per­da de pes­soas. Isso evi­den­cia que antes, algu­mas pes­soas do seu círcu­lo de con­vi­vên­cia eram mais pró­xi­mas, porém depois do sur­gi­men­to da doe­nça, elas se afas­ta­ram, o que oca­sio­nou a sua dor. Des­sa for­ma, a dor se asso­cia ao cená­rio e pers­pec­ti­va do pacien­te (Cos­ta & Cha­ves, 2012; Siquei­ra et al., 2015).

Figura 3 – Análise Fatorial de Correspondência.

3.3 Análise de Similitude

A par­tir des­sa aná­li­se basea­da na teo­ria dos gra­fos é pos­sí­vel iden­ti­fi­car as oco­rrên­cias entre as pala­vras e as indi­cações da cone­xi­da­de entre as pala­vras, auxi­lian­do na iden­ti­fi­cação da estru­tu­ra do con­teú­do de um cor­pus tex­tual. Obser­va-se que a pala­vra “Dizer” está no cen­tro dos dis­cur­sos, e dela se rami­fi­cam qua­tro pala­vras prin­ci­pais “Gen­te”, “Ficar”, “Pes­soa” e “Só”. No extre­mo das rami­fi­cações, con­tem­pla-se a relação entre “Cân­cer” e “Dor”; “Medo” e “Morrer” (ver Figu­ra 4).

Por con­se­guin­te, salien­ta que os dis­cur­sos dos entre­vis­ta­dos apre­sen­tam a dor, que vai além da físi­ca, e que já foi supra­ci­ta­da. Em segui­da, a Aná­li­se de Simi­li­tu­de con­fir­ma a asso­ciação entre medo e morrer. Como evi­den­cia a lite­ra­tu­ra, o medo da mor­te é fre­quen­te e espe­ra­do no con­tex­to do cân­cer (Cos­ta & Soa­res, 2015; Veras & Morei­ra, 2012), uma doe­nça carac­te­ri­za­da pela mor­te dos pacien­tes (Almei­da et al., 2015; Lei­tão  et al.,2013; Morais & Andra­de, 2013; Perei­ra et al., 2013; Sales et al., 2014).

Figura 4 – Análise de Similitude.

3.4 Nuvem de palavras

Em segui­da, foi ana­li­sa­da a nuvem de pala­vras obti­da por meio dos dis­cur­sos dos par­ti­ci­pan­tes, veri­fi­can­do-se que as pala­vras mais evo­ca­das foram: “gen­te”, “dizer”, “cân­cer”, “deus”, “tra­ta­men­to”, “medo”, “doe­nça”, “vida”, apre­sen­tan­do que para os pacien­tes onco­ló­gi­cos o con­tex­to doe­nça e tra­ta­men­to está rela­cio­na­do a dizer (ver Figu­ra 5). Rela­ta-se que o cân­cer é uma doe­nça que pro­pi­cia vivên­cias sin­gu­la­res ao pacien­te, que o for­ta­le­ce, cons­ti­tui e, prin­ci­pal­men­te, res­sig­ni­fi­ca sua visão da mor­te, da vida, do cân­cer e dos aspec­tos impor­tan­tes para o mes­mo (Sales et al., 2014; Siquei­ra et al., 2015). 

Figu­ra 5 - Nuvem de pala­vras.

Considerações Finais

A pre­sen­te pes­qui­sa pro­pôs com­preen­der as vivên­cias de luto do pacien­te onco­ló­gi­co, inves­ti­gan­do as per­das diá­rias, a pos­si­bi­li­da­de de mor­te e seus sig­ni­fi­ca­dos. Obser­vou-se que o pacien­te onco­ló­gi­co reve­la a sua inte­gra­li­da­de no adoe­cer, con­tem­plan­do os aspec­tos físi­co, psi­co­ló­gi­co, social e espi­ri­tual de per­das e lutos diá­rios.

Os resul­ta­dos mos­tram que as relações inter­pes­soais são atuan­tes e influen­tes, envol­ven­do múl­ti­plos per­so­na­gens. Vale res­sal­tar, que na pes­qui­sa, se mani­fes­ta um novo aspec­to que são as relações cons­ti­tuí­das entre pacien­tes, que se con­fi­gu­ram na tro­ca de vivên­cias do cân­cer, des­mis­ti­fi­can­do e pro­du­zin­do meca­nis­mos de enfren­ta­men­to. Uma ati­tu­de que se dis­se­mi­na, quan­do esses novos pacien­tes pas­sam a ser agen­tes de infor­mação, ao com­par­tilhar as suas pró­prias expe­riên­cias.

Reconhe­ce-se as limi­tações da pre­sen­te pes­qui­sa no que se refe­re ao núme­ro e varia­bi­li­da­de de gêne­ro dos par­ti­ci­pan­tes. Con­si­de­ra-se a pre­do­mi­nân­cia de par­ti­ci­pan­tes do sexo femi­nino, não sen­do pos­sí­vel apro­fun­dar sobre pos­sí­veis variações nos sig­ni­fi­ca­dos do luto para o gêne­ro mas­cu­lino. Além dis­so, por ser um estu­do trans­ver­sal, não foi pos­sí­vel acom­panhar as vivên­cias do pro­ces­so de luto em todas as fases da doe­nça e tra­ta­men­to. Des­sa for­ma, suge­re-se a rea­li­zação de pes­qui­sas que con­tem­plem essa pers­pec­ti­va entre os homens e de for­ma lon­gi­tu­di­nal, além de pes­qui­sas de levan­ta­men­to em lar­ga esca­la.

Acres­ce que os resul­ta­dos da pes­qui­sa pro­mo­vem uma com­preen­são da res­sig­ni­fi­cação de diver­sos aspec­tos viven­cias dos pacien­tes a fren­te das per­das e lutos ori­gi­ná­rios do pro­ces­so de adoe­ci­men­to e tra­ta­men­to do cân­cer, amplian­do a com­preen­são sobre o luto do pacien­te com cân­cer, para um luto diá­rio, sobre per­das deco­rren­tes da doe­nça e seu tra­ta­men­to.

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Notas

1. Turis­mó­lo­ga. Psi­có­lo­ga pela Uni­ver­si­da­de de For­ta­le­za. Ende­reço ele­trô­ni­co: camilamariaramos@hotmail.com

2. Psi­có­lo­ga. Mes­tre em Psi­co­lo­gia. Dou­to­ran­da em psi­co­lo­gia pela Uni­ver­si­da­de de For­ta­le­za. Pro­fes­so­ra da Facul­da­de Luciano Fei­jão. Ende­reço ele­trô­ni­co: georgiafeijao@hotmail.com

3. Dou­to­ra em Psi­co­lo­gia. Pro­fes­so­ra do Pro­gra­ma de Pós-Gra­duação da Uni­ver­si­da­de de For­ta­le­za. Rua Fran­cis­co Farias Filho, n° 45, apto 804. Bai­rro Gua­rar­pes. For­ta­le­za, Cea­rá, Bra­sil. CEP. 60320–105. Ende­reço ele­trô­ni­co: cf.melo@yahoo.com.br