Ordens do amor de Bert Hellinger: À serviço do sistema de justiça brasileiro Descargar este archivo (1.pdf)

Jamile Gonçalves Serra Azul[1], Lídia Maria Ribas[2]

Defensora Pública do Estado de Mato Grosso do Sul
Pesquisadora e professora permanente do
Mestrado em Direitos Humanos da UFMS

Resumo

Bert Hellin­ger, des­en­vol­veu o que hoje se conhe­ce como Cons­te­lação Fami­liar. O juiz bra­si­lei­ro, Sami Storch, apro­vei­tan­do do conhe­ci­men­to das cons­te­lações fami­lia­res, pas­sou a apli­car os fun­da­men­tos e prá­ti­cas des­ta abor­da­gem nos con­fli­tos jurí­di­cos, o que deno­mi­nou de Direi­to sis­tê­mi­co, ten­do como base as Ordens do Amor, que fun­cio­nam como leis natu­rais que regem todos os rela­cio­na­men­tos. A par­tir des­ta expe­riên­cia exi­to­sa, ins­ti­tuições inte­gran­tes do Sis­te­ma de Jus­tiça, pas­sa­ram a apli­car a abor­da­gem nas suas res­pec­ti­vas áreas de atuação repe­tin­do o suces­so de Sami Storch. Dian­te dis­so, bus­ca-se ana­li­sar como as ordens do amor podem ser apli­ca­das no Sis­te­ma de Jus­tiça bra­si­lei­ro. Para tan­to, uti­li­za-se de pes­qui­sa docu­men­tal e méto­do dedu­ti­vo. Con­clui-se que as ordens do amor pos­si­bi­li­tam as par­tes de um con­fli­to apro­fun­da­rem a sua visão acer­ca do pro­ble­ma e apre­sen­tam uma maior dis­po­sição para resol­ver o con­fli­to e melho­ra as suas relações pes­soais.

Resumen

Bert Hellin­ger, desa­rro­lló lo que hoy se cono­ce como Cons­te­la­cio­nes Fami­lia­res. El juez bra­si­le­ño Sami Storch, apro­ve­chan­do el cono­ci­mien­to de las Cons­te­la­cio­nes Fami­lia­res, comen­zó a apli­car los prin­ci­pios y prác­ti­cas de este enfo­que en los con­flic­tos lega­les, lo que lla­mó Dere­cho Sis­té­mi­co, basa­do en las Órde­nes del Amor, que fun­cio­nan como leyes natu­ra­les que rigen todas las rela­cio­nes. A par­tir de esta exi­to­sa expe­rien­cia, las ins­ti­tu­cio­nes que for­man par­te del Sis­te­ma de Jus­ti­cia comen­za­ron a apli­car el enfo­que en sus res­pec­ti­vos ámbi­tos de actua­ción, repi­tien­do el éxi­to de Sami Storch. A la luz de esto, bus­ca­mos ana­li­zar cómo las órde­nes de amor pue­den ser apli­ca­das en el sis­te­ma de jus­ti­cia bra­si­le­ño. Para ello, se uti­li­za la inves­ti­ga­ción docu­men­tal y el méto­do deduc­ti­vo. Se con­clu­ye que las órde­nes de amor per­mi­ten a las par­tes de un con­flic­to pro­fun­di­zar en su visión sobre el pro­ble­ma y pre­sen­tar una mayor volun­tad de resol­ver el con­flic­to y mejo­rar sus rela­cio­nes per­so­na­les.

Intro­dução

O Direi­to sis­tê­mi­co pode ser defi­ni­do como a apli­cação das pos­tu­ras, prá­ti­cas sis­tê­mi­cas e das cons­te­lações fami­lia­res aos lití­gios jurí­di­cos a fim de pos­si­bi­li­tar uma visão apro­fun­da­da dos con­fli­tos, evi­tan­do a reite­ração de deman­das e padrões com­por­ta­men­tais. Des­ta­que-se que esta expres­são nada tem a ver com o Direi­to sis­tê­mi­co de Niklas Luh­mann em que pese ambos par­tam do refe­ren­cial da pala­vra sis­te­ma.

A Cons­te­lação Fami­liar, por sua vez, é uma abor­da­gem des­en­vol­vi­da pelo ale­mão Bert Hellin­ger que se pro­põe a mos­trar, por inter­mé­dio de repre­sen­tan­tes, como a dinâ­mi­ca fami­liar atua incons­cien­te­men­te na vida da pes­soa repre­sen­ta­da, pro­du­zin­do padrões de com­por­ta­men­to e relações mui­tas vezes cau­sa­do­ras de gran­de sofri­men­to por várias gerações.

Esta abor­da­gem está sen­do apli­ca­da em todo o Sis­te­ma de Jus­tiça no Bra­sil, em espe­cial, no Poder Judi­ciá­rio, com ful­cro no art. 4º, VII da Cons­ti­tuição Fede­ral, Reso­lução 125 do Con­selho Nacio­nal de Jus­tiça e art. 3º, § 2º e 3º do Códi­go de Pro­ces­so Civil, entre outros dis­po­si­ti­vos legais que esti­mu­lam a reso­lução extra­ju­di­cial dos con­fli­tos. Assim, por meio des­te tra­balho des­cri­ti­vo, expli­ca­ti­vo e explo­ra­tó­rio, por inter­mé­dio de uma pes­qui­sa biblio­grá­fi­ca, docu­men­tal, ana­li­sa-se qual a fun­da­men­tação jurí­di­ca para apli­cação do Direi­to sis­tê­mi­co. Para tan­to, no pri­mei­ro capí­tu­lo se expõe aspec­tos gerais da Cons­te­lação fami­liar e do Direi­to sis­tê­mi­co. Em segui­da, no segun­do capí­tu­lo, as Ordens do Amor, sen­do que cada uma será abor­da­da em sub­tó­pi­co espe­cí­fi­co, expon­do pos­si­bi­li­da­des de atuação que pro­mo­vam maior paci­fi­cação das par­tes.

1. Constelação familiar e direito sistêmico

A Cons­te­lação Fami­liar é uma abor­da­gem que mos­tra a ima­gem inter­na incons­cien­te que está des­or­de­na­da e incom­ple­ta que pro­duz sofri­men­to (Laguno, 2019). Esta abor­da­gem foi des­en­vol­vi­da pelo ale­mão Anton “Suit­bert” Hellin­ger pos­te­rior­men­te conhe­ci­do ape­nas como Bert Hellin­ger, nas­ci­do em 1925, em Lei­men, Ale­manha (Hellin­ger, 2020, pp.20).

Esta ima­gem inter­na incons­cien­te é mos­tra­da na Cons­te­lação Fami­liar por inter­mé­dio de repre­sen­tan­tes, que em regra não conhe­cem a pes­soa a ser cons­te­la­da, mas em razão da ação do cam­po mór­fi­co[3], se posi­cio­nam e se movi­men­tam duran­te a cons­te­lação, de for­ma que o cons­te­la­dor per­ce­be qual a dinâ­mi­ca fami­liar ocul­ta que vem pro­du­zin­do padrões de com­por­ta­men­to e relações mui­tas vezes cau­sa­do­res de gran­de sofri­men­to por várias gerações no aju­da­do.

Direi­to sis­tê­mi­co, por sua vez, é expres­são uti­li­za­da pelo juiz Sami Storch para deno­mi­nar a aná­li­se do Direi­to sob uma óti­ca basea­da nas ordens supe­rio­res que regem as relações huma­nas, con­for­me demons­tram as cons­te­lações fami­lia­res des­en­vol­vi­da por Hellin­ger (Storch, 2018). Segun­do Storch:

O Direi­to sis­tê­mi­co vê as par­tes em con­fli­to como mem­bros de um mes­mo sis­te­ma, ao mes­mo tem­po em que vê cada uma delas vin­cu­la­da a outros sis­te­mas dos quais simul­ta­nea­men­te façam par­te (famí­lia, cate­go­ria pro­fis­sio­nal, etnia, reli­gião etc.) e bus­ca encon­trar a solução que, con­si­de­ran­do todo esse con­tex­to, tra­ga maior equi­lí­brio. (Storch, 2018)

Estas ordens supe­rio­res são cha­ma­das por Bert Hellin­ger de Ordens do Amor. São elas: o per­ten­ci­men­to, a hie­rar­quia e o equi­lí­brio entre o dar e o tomar. Essas ordens seriam como as leis da físi­ca, cuja exis­tên­cia e influên­cia oco­rrem inde­pen­den­te­men­te da cons­ciên­cia acer­ca delas ou da von­ta­de (Hellin­ger, 2015, pp. 41).

Nes­te sen­ti­do, com base nos conhe­ci­men­tos des­tas leis, os pro­fis­sio­nais da área jurí­di­ca, ao serem deman­da­dos para atuar em qual­quer espé­cie de con­fli­to, em uma atuação com ful­cro no direi­to sis­tê­mi­co, podem per­ce­ber no aten­di­men­to ou atuação pro­ces­sual, qual ou quais ordens estão sen­do vio­la­das e convidarem/provocarem as par­tes a olha­rem para isso, o que pode pro­mo­ver uma maior paci­fi­cação, inde­pen­den­te­men­te da uti­li­zação das Cons­te­lações Fami­lia­res, como se mos­tra a seguir (Serra Azul, 2019, pp. 125).

2. Ordens do Amor

As relações huma­nas mais dura­dou­ras são regi­das, em sua maio­ria, por regras de con­vi­vên­cias que mui­tas vezes são esta­be­le­ci­das de for­ma ver­bal ou não-ver­bal. Essas regras, não obs­tan­tes, são pas­sí­veis de serem alte­ra­das e ade­qua­das às neces­si­da­des dos envol­vi­dos. Bert Hellin­ger, con­tu­do, a par­tir das suas expe­riên­cias e obser­vações con­cluiu que exis­tem Ordens[4], às quais deno­mi­nou de Ordens do Amor, mas que pos­te­rior­men­te sua espo­sa Sophie Hellin­ger, com o seu con­sen­ti­men­to, cha­mou de Prin­cí­pios Bási­cos da Vida, que regem todas as relações huma­nas e não são pas­sí­veis de alte­ração, são elas: Per­ten­ci­men­to, Hie­rar­quia[5] e Equi­lí­brio (Hellin­ger, 2019, pp. 25).

A par­tir des­te conhe­ci­men­to serão expos­tas pos­si­bi­li­da­des de apli­cação prá­ti­ca des­tas Ordens no Sis­te­ma de Jus­tiça como for­ma de asse­gu­rar o aces­so à jus­tiça, de uma for­ma mais ampla, e paci­fi­car as relações da pes­soa que pro­cu­ram estas ins­ti­tuições.

Segun­do Hellin­ger (2019, pp. 25), estas ordens bási­cas são res­pon­sá­veis pelo suces­so e fra­cas­so nas relações, pois somen­te o amor não é sufi­cien­te para o êxi­to das relações, que devem tam­bém obser­var as ordens. As ordens do amor são fru­tos de nos­sas neces­si­da­des bási­cas: víncu­lo, ordem e com­pen­sação.

Estas três Ordens do Amor podem ser vis­tas, até mes­mo, na sobre­vi­vên­cia da huma­ni­da­de até os dias atuais. Yuval Hara­ri rela­ta que, na ori­gem do Homo Sapiens, nos clãs huma­nos da Áfri­ca há cer­ca de um milhão de anos, várias neces­si­da­des de sobre­vi­vên­cia em um ambien­te hos­til exi­gi­ram uma adap­tação da então nova espé­cie. Tais neces­si­da­des só pude­ram ser satis­fei­tas atra­vés de um meca­nis­mo incons­cien­te que gera­va máxi­ma cola­bo­ração entre os mem­bros do clã (HARARI, 2016).

Ambró­sio e Oli­vei­ra Júnior (2018, pp. 133), fazem a seguin­te com­pa­ração des­te fenô­meno com as ordens do Amor:

Esse fenô­meno gera um prin­cí­pio de for­te ade­rên­cia ao gru­po atra­vés do meca­nis­mo do per­ten­ci­men­to que, alia­do a uma hie­rar­quia dita­da pelo mais velho-aque­le que acu­mu­lou estra­té­gias de sobre­vi­vên­cia e pode com­par­tilhá-la com os demai­se por últi­mo um ele­men­to que garan­te a uma neces­si­da­de incons­cien­te de equi­lí­brio nas tro­cas do dar e rece­ber, pro­pi­ciou aos agru­pa­men­tos huma­nos a pros­pe­ri­da­de e a hege­mo­nia da espé­cie no glo­bo.

Assim, apro­fun­da-se em cada Ordem nos tópi­cos seguin­tes.

2.1 Ordem do Pertencimento

A pri­mei­ra Ordem do Amor é o per­ten­ci­men­to. Segun­do ela, todos os mem­bros de um sis­te­ma fami­liar devem per­ten­cer. Esta pri­mei­ra Ordem foi des­co­ber­ta por Bert Hellin­ger na prá­ti­ca da Cons­te­lação fami­liar, enquan­to as demais duran­te os momen­tos de medi­tação (Hellin­ger, 2020).

Assim, geral­men­te, per­ten­cem ao sis­te­ma:

1 – Filhos. Por­tan­to, nós mes­mos e nos­sos irmãos e irmãs. Não somen­te os que vivem, mas tam­bém os nati­mor­tos, e todos que foram abor­ta­dos. Per­ten­cem tam­bém à famí­lia os filhos que foram ocul­ta­dos ou dados. Para a cons­ciên­cia cole­ti­va todos eles fazem par­te com­ple­ta­men­te e sem dife­ren­ciação.

2 – Fazem par­te os nos­sos pais e todos seus irmãos bio­ló­gi­cos. Tam­bém os par­cei­ros ante­rio­res dos pais fazem par­te.

3 – Os avós.

4 ‑Além dos paren­tes con­san­guí­neos e par­cei­ros ante­rio­res, tam­bém fazem par­te de nos­sa famí­lia aque­les com que, atra­vés de sua mor­te ou des­tino, a famí­lia teve uma van­ta­gem; por exem­plo, atra­vés de uma hera­nça con­si­de­rá­vel. Tam­bém fazem par­te aque­les com que à cus­ta de sua saú­de e vida, a famí­lia enri­que­ceu.

5 – Aque­les que foram víti­mas de atos vio­len­tos atra­vés de mem­bros de nos­sa famí­lia tor­nam-se par­te dela.

6 – Quan­do mem­bros de nos­sa famí­lia são víti­mas de cri­mes, espe­cial­men­te se per­dem a vida, os assas­si­nos pas­sam a fazer par­te de nos­sa famí­lia (Hellin­ger, 2015a, p. 39).

Se um mem­bro for excluí­do do gru­po fami­liar ou a ele ser nega­do o direi­to de per­ten­cer, have­rá no gru­po a neces­si­da­de de res­ta­be­le­ci­men­to da com­ple­tu­de. Des­ta for­ma, o mem­bro excluí­do ou esque­ci­do é repre­sen­ta­do por outra pes­soa, nor­mal­men­te na pró­xi­ma geração ou da seguin­te, que, de manei­ra geral, incons­cien­te­men­te, tam­bém pas­sa a se sen­tir excluí­da e se com­por­ta como a pes­soa repre­sen­ta­da, assu­min­do os sen­ti­men­tos, sin­to­mas e até mes­mo o des­tino des­te, o que se deno­mi­na de ema­ranha­men­to.

A pes­soa que assu­me o des­tino do seu ances­tral excluí­do não é a res­pon­sá­vel pela exclu­são, demons­tran­do a impes­soa­li­da­de des­ta Ordem que res­pon­sa­bi­li­za não somen­te a quem cabe­ria o res­ta­be­le­ci­men­to da har­mo­nia, mas tam­bém os seus des­cen­den­tes. Duran­te a Cons­te­lação Fami­liar esse ema­ranha­men­to vem à tona e pode ser revo­ga­do quan­do o mem­bro excluí­do é tra­zi­do de vol­ta à famí­lia, o que pode oco­rrer de várias for­mas que impli­quem em o mem­bro ser lem­bra­do, hon­ra­do e ter a sua exis­tên­cia res­pei­ta­da inde­pen­den­te­men­te de jul­ga­men­tos.

É mui­to comum isso acon­te­cer, por exem­plo, em casos de filhos que não têm con­ta­to com o pai. Esses filhos, como uma manei­ra amo­ro­sa de hon­rar o pai, pas­sam a ter com­por­ta­men­tos semelhan­tes ao do pai excluí­do, mes­mo sem nun­ca ter tido qual­quer con­ta­to físi­co com ele. É uma for­ma de incluir no sis­te­ma o pai a quem foi nega­do o direi­to de per­ten­cer. Por­tan­to, inde­pen­den­te­men­te da von­ta­de, todos os mem­bros de uma famí­lia, vivos ou mor­tos, fazem par­te do sis­te­ma e influen­ciam as gerações futu­ras (Hellin­ger, 2012, pp. 121).

Em ins­ti­tuições como a Defen­so­ria Públi­ca é pos­sí­vel veri­fi­car inúme­ras situações de vio­lação a esta ordem. A começar, no aten­di­men­to dos roti­nei­ros casos de alie­nação paren­tal que são comuns de oco­rre­rem após a sepa­ração quan­do uma das par­tes, ou ambas, ain­da se encon­tra dema­sia­da­men­te aba­la­da emo­cio­nal­men­te. Nor­mal­men­te pra­ti­ca­do pela pes­soa que está no exer­cí­cio da guar­da fáti­ca da cria­nça ou ado­les­cen­te, como uma for­ma de “des­con­tar” o sofri­men­to amo­ro­so, pas­sa a falar mal do outro geni­tor. Seja pela repe­tição de fra­ses como “Fazer é fácil, difí­cil é criar”, seja crian­do fal­sas memó­rias com afir­ma­ti­vas como “Ele/a pre­fe­re o filho da ‘outra’ a você”, entre outros, que ter­mi­nam geran­do ver­da­dei­ra aver­são no filho em relação àque­le pai ou mãe alie­na­dos.

Esta situação é facil­men­te per­cep­tí­vel nos aten­di­men­tos de par­tes que que­rem pro­por ação de ali­men­tos, guar­da ou até mes­mo divór­cio. Em regra, a par­te que deseja ajui­zar a ação ao ser ques­tio­na­da sobre o direi­to de con­vi­vên­cia do outro geni­tor em relação aos filhos do casal cos­tu­ma res­pon­der com per­gun­tas como: “E se a cria­nça não qui­ser ir com o pai, tenho que obri­gar?” e em mui­tos casos é comum ain­da com­ple­men­ta­rem com a seguin­te afir­ma­ti­va “eu esti­mu­lo ele vê o pai, mas ele que não quer”. Em ambas as fra­ses é pos­sí­vel, o pro­fis­sio­nal sis­tê­mi­co per­ce­ber que exis­tem for­tes indí­cios de que um dos geni­to­res está sen­do excluí­do e con­vi­dar a par­te para refle­tir da impor­tân­cia de ambos os pais na vida de uma cria­nça, que com cer­te­za deseja ter os pais jun­tos, por­que ele é o pai e a mãe e quan­do um dos dois é excluí­do, é como excluir uma enor­me par­te do seu ser.

Bert Hellin­ger che­ga a afir­mar em suas obras que a cria­nça deve ficar na guar­da do pro­ge­ni­tor que mais res­pei­ta e hon­ra o par­cei­ro (2020, pp. 178), por­que assim a cria­nça terá trân­si­to livre com o pai e com a mãe e ela pre­ci­sa de ambos e tem de poder amá-los igual­men­te.

A par­tir da veri­fi­cação da exclu­são, a pos­tu­ra sis­tê­mi­ca do Defen­sor que aten­de a par­te alie­nan­te será no sen­ti­do de con­vi­dar a mes­ma a olhar o sofri­men­to que ela está cau­san­do no seu filho ao não olhar para o pai dele e como isso tem a ver com o com­por­ta­men­to rebel­de, hiper­ati­vo, com as notas bai­xas, além dos gra­ves pro­ble­mas de saú­de e até mes­mo sui­cí­dio (Waquim, 2015, pp.75).

O pro­fis­sio­nal pode demons­trar toda esta dinâ­mi­ca ocul­ta por meio da Cons­te­lação Fami­liar indi­vi­dual, uti­li­zan­do bone­cos ou ânco­ras, por exem­plo, ou em gru­po. Como já dito, Bert nun­ca tra­balhou com bone­cos e ânco­ras, sen­do que a uti­li­zação des­tes ele­men­tos na Cons­te­lação fami­liar deco­rreu de um des­en­vol­vi­men­to trans­dis­ci­pli­nar a par­tir da psi­co­lo­gia, como as cai­xas de areia[6]e as ânco­ras da Pro­gra­mação Neu­ro­lin­guís­ti­ca[7].

Mui­tas vezes um exer­cí­cio de visua­li­zação como pedir para a par­te para fechar os olhos e ima­gi­nar o pai ou mãe do seu filho e dizer fra­ses como “Sou gra­ta por tudo que vive­mos jun­tos, ago­ra sigo em fren­te” e logo em segui­da visua­li­zar como o seu filho se sen­ti­ria ao ouvir estas pala­vras são sim­ples exer­cí­cios que geram efei­tos ime­dia­tos na pes­soa, que ten­de a sen­tir mais leve­za, paz.

Os pro­fis­sio­nais do Sis­te­ma de jus­tiça tam­bém podem apli­car o Direi­to Sis­tê­mi­co ao atua­rem na sea­ra penal com ful­cro nes­te Prin­cí­pio bási­co do Direi­to ao Per­ten­ci­men­to. Uma das pri­mei­ras coi­sas a fazer é incluir a víti­ma, assim como o agres­sor e o sis­te­ma fami­liar de ambos. A inclu­são da víti­ma, que é mui­to pou­co vis­ta pelo Sis­te­ma de Jus­tiça, e sequer par­ti­ci­pa do momen­to de deci­são da sanção do per­pe­tra­dor, faz com que a ins­ti­tuição que a repre­sen­te ter­mi­ne sen­do toma­da por um sen­ti­men­to de vin­ga­nça, mui­tas vezes, como uma for­ma de res­ta­be­le­ci­men­to da Lei do Per­ten­ci­men­to. Nes­te sen­ti­do Hellin­ger (2007a, pp. 129) pon­tua:

Eu notei que, nor­mal­men­te, a indig­nação não vem das víti­mas, mas daque­les que se acham no direi­to de repre­sen­tar as víti­mas. Eles recla­mam ili­ci­ta­men­te para si o direi­to de ficar zan­ga­dos com os agres­so­res, sem ter pas­sa­do pelo sofri­men­to. Como rece­bem o apoio da maio­ria, nem mes­mo correm o ris­co de serem res­pon­sa­bi­li­za­dos pelo desejo de vin­ga­nça con­tra os agres­so­res. Aqui exis­te uma curio­sa semelha­nça entre os indig­na­dos e os agres­so­res, exata­men­te aque­les que são cri­ti­ca­dos. Os pri­mei­ros con­si­de­ra­vam-se supe­rio­res e por isso se sen­ti­ram no direi­to de ata­car e ani­qui­lar os outros.

Outra situação que é cos­tu­mei­ra e que pode vio­lar esta lei do per­ten­ci­men­to são os pedi­dos de adoção. Isto por­que, é nor­mal os pre­ten­sos ado­tan­tes jul­ga­rem os pais bio­ló­gi­cos das cria­nças e ado­les­cen­tes que pre­ten­dem ado­tar e ao alca­nçar êxi­to no inten­to judi­cial, bus­cam eli­mi­nar essas figu­ras da pes­soa ado­ta­da, como se pai e mãe fos­sem seres fun­gí­veis.

Segun­do as Ordens do Amor, assim, os ado­tan­tes ao terem esses com­por­ta­men­tos aci­ma des­cri­tos, pro­va­vel­men­te não terão êxi­to nas suas relações com a pes­soa ado­ta­da que, por serem leais aos seus pais bio­ló­gi­cos, ten­ta­rão se vin­gar dos pais ado­ti­vos com com­por­ta­men­tos inade­qua­dos, agres­si­vi­da­de, entre outros.

Bert Hellin­ger no livro Olhan­do para a alma das cria­nças, afir­ma:

Os pais ado­ti­vos devem se ver como subs­ti­tu­tos dos pais bio­ló­gi­cos. Devem res­pei­tá-los. Somen­te ao res­pei­tar os pais, podem res­pei­tar a cria­nça. Devem amar os pais da for­ma que são. Então podem amar tam­bém a cria­nça. Se eles se colo­ca­rem aci­ma dos pais bio­ló­gi­cos, a cria­nça se vin­ga, dizen­do: “Vocês não são melho­res que meus pais” (Hellin­ger, 2015b, pp. 46).

Assim, ao aten­der uma situação de adoção, é inter­es­san­te aos ser­vi­do­res das ins­ti­tuições do Sis­te­ma de Jus­tiça pro­vo­ca­rem nos pre­ten­den­tes refle­xões no sen­ti­do da impor­tân­cia dos pais bio­ló­gi­cos para àque­la pes­soa a ser ado­ta­da, pois sem eles, ela não exis­ti­ria, ou seja, os pre­ten­den­tes devem ter um olhar de gra­ti­dão para aque­les, não de jul­ga­men­to.

O pro­fes­sor e médi­co Rena­to Ber­ta­te afir­ma em seu livro “Adoção: como alca­nçar o suces­so” que o aju­dan­te somen­te con­se­gui­rá aju­dar a cria­nça ado­ta­da e os pais ado­ti­vos se olhar e se dedi­car aos pais bio­ló­gi­cos sem jul­ga­men­tos, quan­do então sur­gi­rão caminhos e soluções (Ber­ta­te, 2016, p. 10). Ain­da nes­te livro, o pro­fes­sor exem­pli­fi­ca aten­di­men­tos que fez de pacien­te com dores crô­ni­cas que ao ser olha­do de manei­ra sis­tê­mi­ca, se veri­fi­cou que estas dores tinham a ver com a dor de ter doa­do um filho ante­rior­men­te. Tam­bém, exem­pli­fi­cou um aten­di­men­to de uma pacien­te que a mãe esta­va com cân­cer em pro­ces­so de metás­ta­se e ao ser cons­te­la­da se veri­fi­cou que ela pode­ria não ser filha bio­ló­gi­ca. Esta pacien­te, ao con­ver­sar com a sua mãe, con­ver­sou amo­ro­sa­men­te sobre esta pos­si­bi­li­da­de, o que foi con­fir­ma­do. Pou­cos meses depois os exames ates­ta­ram que a mãe já não por­ta­va o cân­cer (Ber­ta­te, 2016, p. 30).

Tam­bém nes­te sen­ti­do Storch e Miglia­ri expõem:

A dig­ni­da­de de um filho ado­ti­vo está no fato de ele ter uma his­tó­ria pró­pria. Não lhe aumen­ta a dig­ni­da­de qual­quer jul­ga­men­to no sen­ti­do de con­si­de­rar que os pais bio­ló­gi­cos des­se filho não são bons. Não o for­ta­le­ce jul­gar que sua his­tó­ria de ori­gem está erra­da, que não deve­ria ter sido como foi e que melhor seria pas­sar uma borra­cha nes­sa ori­gem, colo­can­do em seu lugar uma outra, ain­da que fic­tí­cia. Esse filho ado­ti­vo não é pior que os filhos bio­ló­gi­cos do casal ado­tan­te por ser dife­ren­te (Storch & Miglia­ri, 2020, pp. 229).

Em um mes­mo aten­di­men­to é comum se per­ce­ber vio­lação não somen­te de uma lei sis­tê­mi­ca, mas de duas ou até mes­mo de todas, como é comum acon­te­cer nas ações de divór­cio, em que um dos côn­ju­ges não acei­ta­va a famí­lia ante­rior do mari­do e para com­pen­sar agra­da­va demais àque­le, com pre­sen­tes, assu­min­do todos os afa­ze­res domés­ti­cos, entre outros.

Nes­ta situação há uma cla­ra vio­lação a Ordem do per­ten­ci­men­to, pois quan­do um côn­ju­ge não acei­ta a famí­lia do outro, ele está excluin­do uma par­te do seu com­panhei­ro, da sua famí­lia, his­tó­ria, o que com cer­te­za oca­sio­na um peso maior no rela­cio­na­men­to. Tam­bém ao excluir os filhos e a ex-espo­sa do atual mari­do, a espo­sa vio­la a Ordem da pre­ce­dên­cia, que será abor­da­da pos­te­rior­men­te, mas que em linhas gerais dis­põe que os rela­cio­na­men­tos ante­rio­res devem ser res­pei­ta­dos por­que o atual se bene­fi­ciou da não con­ti­nui­da­de daque­le, assim, para uma boa relação, é impor­tan­te reconhe­cer a impor­tân­cia dos rela­cio­na­men­tos ante­rio­res dos côn­ju­ges, pois sem estes, o côn­ju­ge seria uma pes­soa dife­ren­te e tal­vez o rela­cio­na­men­to atual sequer se con­cre­ti­za­ria.

Por fim, tam­bém se obser­va na situação narra­da vio­lação a Ordem do equi­lí­brio, já que quan­do um côn­ju­ge dá mui­to para o outro, aque­le que rece­be se sen­te pesa­do, inca­paz de devol­ver tudo, assim, é natu­ral que quem rece­beu mui­to, rom­pa o rela­cio­na­men­to, cau­san­do revol­ta naque­le que tan­to se dedi­cou. Esta é uma situação con­tu­maz, pois quem ape­nas dá é pai e mãe e em um rela­cio­na­men­to de casal, deve haver um equi­lí­brio entre o dar e rece­ber e quan­do isso não é obser­va­do, o fim do rela­cio­na­men­to cos­tu­ma ser ques­tão de tem­po. A par­tir des­te pequeno exem­plo se depreen­de o quão é impres­cin­dí­vel o conhe­ci­men­to e apro­fun­da­men­to em todas as Ordens do Amor.

2.2 Ordem da Hierarquia

A segun­da Ordem do Amor é a hie­rar­quia. Bert Hellin­ger ensi­na que, segun­do esta ordem, os mem­bros fami­lia­res que vie­ram antes têm pre­ce­dên­cia em relação àque­les que vie­ram depois. Os pais têm pre­ce­dên­cia sobre os filhos e o irmão mais velho tem pre­ce­dên­cia sobre o mais novo. A hie­rar­quia é des­res­pei­ta­da, por exem­plo, quan­do os suces­so­res inter­fe­rem em assun­tos dos ante­ces­so­res, e jul­gam saber mais do que aque­les que vie­ram antes (Hellin­ger, 2020).

Antes de apro­fun­dar no tema é salu­tar dife­ren­ciar as expres­sões hie­rar­quia, pre­ce­dên­cia e prio­ri­da­de na obra de Bert Hellin­ger. A expres­são Hie­rar­quia está rela­cio­na­da mais com exer­cí­cio de uma função. Enquan­to pre­ce­dên­cia tem a ver com ante­rio­ri­da­de, com o tem­po, quem veio antes, por isto esta segun­da ordem é tam­bém cha­ma­da de Ordem da pre­ce­dên­cia ou sim­ples­men­te “ordem”. Prio­ri­da­de, por sua vez, diz res­pei­to à pre­fe­rên­cia. A fim de faci­li­tar o enten­di­men­to exem­pli­fi­ca-se: em uma famí­lia recons­ti­tuí­da, em que ambos os côn­ju­ges tive­ram filhos da relação ante­rior, a pri­mei­ra famí­lia tem pre­ce­dên­cia em relação a nova, mas esta tem prio­ri­da­de em relação àque­la, ou seja, os côn­ju­ges devem em suas deci­sões prio­ri­zar a sua famí­lia atual em detri­men­to da ante­rior, mas sem­pre res­pei­tan­do a ante­rio­ri­da­de daque­la.

Para Bert Hellin­ger a hie­rar­quia fami­liar deve aten­der a três funções: tem­po (pre­ce­dên­cia), peso (prio­ri­da­de) e função (hie­rar­quia) e afir­ma:

O rela­cio­na­men­to entre mari­do e mulher exis­te antes de se tor­na­rem pais; há adul­tos sem filhos, mas não exis­tem filhos sem pai bio­ló­gi­cos. O amor ven­ce quan­do os pais cui­dam bem dos filhos quan­do eles são jovens, mas a recí­pro­ca mão é ver­da­dei­ra. Assim, o rela­cio­na­men­to entre mari­do e mulher assu­me prio­ri­da­de na famí­lia (Hellin­ger, 2008, pp.74).

O cri­té­rio fun­da­men­tal para este Prin­cí­pio é o tem­po da pes­soa naque­le sis­te­ma, por isso, em uma relação de casal, ambos estão no mes­mo pata­mar, pois o rela­cio­na­men­to começou ao mes­mo tem­po para ambos. Quan­do o casal tem filhos, o pri­mo­gê­ni­to tem pre­ce­dên­cia em relação ao segun­do, pois tem mais expe­riên­cia naque­le sis­te­ma fami­liar. Isto, con­tu­do, não sig­ni­fi­ca que o pri­mo­gê­ni­to tenha auto­ri­da­de sobre os seus irmãos mais novos, mas que na ordem de pre­ce­dên­cia ele vem em pri­mei­ro lugar e isso deve ser con­si­de­ra­do em deter­mi­na­das situações de con­fli­to, por exem­plo.

Entre­tan­to, na famí­lia todos têm o seu lugar não sen­do neces­sá­rio dispu­tar esse lugar, seja se colo­can­do como maior ou ten­tan­do excluir os outros, pois o fra­cas­so, por meio de relações con­fli­tuo­sas ou doe­nças, será imi­nen­te. Des­ta­que-se, con­tu­do, que entre sis­te­mas o mais novo tem pre­ce­dên­cia em relação ao mais anti­go, por exem­plo, a famí­lia atual tem pre­ce­dên­cia sobre a famí­lia de ori­gem, pois isso deco­rre de o pró­prio fluir da vida (Hellin­ger, 2019, pp.28).

Esta pre­ce­dên­cia do sis­te­ma atual sobre o sis­te­ma ante­rior, con­tu­do, não sig­ni­fi­ca a exclu­são des­te. Assim, em uma famí­lia quan­do um ou ambos os par­cei­ros já tive­rem sido casa­dos ou tido um rela­cio­na­men­to sig­ni­fi­ca­ti­vo ante­rior, é impor­tan­te que o par­cei­ro ante­rior não seja depre­cia­do, excluí­do ou rejei­ta­do, pois o novo casal se bene­fi­ciou do não êxi­to da relação ante­rior, além dos envol­vi­dos serem pes­soas dife­ren­tes em razão des­ta expe­riên­cia ante­rior. Quan­do não oco­rre esse reconhe­ci­men­to e sen­ti­men­to de gra­ti­dão, àque­le par­cei­ro excluí­do será repre­sen­ta­do por um filho da nova famí­lia (Hellin­ger, 2019).

No que tan­ge às famí­lias recons­ti­tuí­das em que os pais têm filhos de casa­men­tos ante­rio­res e filhos comuns, Hellin­ger (2019, pp. 29–30) afir­ma:

Os filhos do homem ou da mulher, fru­tos de rela­cio­na­men­tos ante­rio­res, já esta­vam nes­se sis­te­ma antes de o novo par­cei­ro che­gar. Por­tan­to, eles têm pre­ce­dên­cia em relação ao novo par­cei­ro e aos filhos da nova relação. Isso pre­ci­sa ser reconhe­ci­do pelos filhos do novo rela­cio­na­men­to. O novo par­cei­ro, tam­pou­co, pode pedir que tenha pre­fe­rên­cia em relação aos filhos do rela­cio­na­men­to ante­rior. Isso gera con­fli­tos.

Não obs­tan­te os filhos da relação ante­rior tenham pre­ce­dên­cia em relação ao novo par­cei­ro e aos filhos do novo rela­cio­na­men­to, a nova famí­lia tem pre­ce­dên­cia sobre a famí­lia de ori­gem, como já dito ante­rior­men­te, por se tra­tar de sis­te­mas dife­ren­tes. Assim, se um homem diz à mulher, ou vice-ver­sa, “Meus pais vêm em pri­mei­ro lugar”, a relação fica com­pro­me­ti­da. Da mes­ma for­ma que se uma pes­soa com­pro­me­ti­da engra­vi­da outra pes­soa em uma relação extra­con­ju­gal, for­ma-se um novo sis­te­ma que terá pre­ce­dên­cia sobre o rela­cio­na­men­to ante­rior.

A par­tir de uma pos­tu­ra sis­tê­mi­ca, os ser­vi­do­res das Defen­so­rias Públi­cas que tenham conhe­ci­men­to des­tas Ordens, podem fazer peque­nas inter­ve­nções con­vi­dan­do as par­tes envol­vi­das a olha­rem para estas situações. No aten­di­men­to na área de famí­lia é roti­nei­ro rela­tos de que o ex-com­panhei­ro, após cons­ti­tuir uma nova famí­lia, aban­do­nou, afe­ti­va e mate­rial­men­te, os filhos do rela­cio­na­men­to ante­rior.

Em um aten­di­men­to assim, é pos­sí­vel mos­trar para este pai, por meio de repre­sen­tações com bone­cos, ânco­ras, como esses filhos se sen­tem em relação a ele, bem como, os filhos no novo rela­cio­na­men­to esta­rão com­pro­me­ti­dos, em nível de incons­cien­te, em incluí­rem os seus irmãos, além da gran­de pos­si­bi­li­da­de de fra­cas­so que este novo rela­cio­na­men­to tem por vio­lar tan­tas regras que o faz mais pesa­do do que pre­ci­sa­ria.

Há de se ter cau­te­la, não obs­tan­te, com esta obser­vação, pois não se defen­de a jus­ti­cia­men­to pri­va­do, mas como já dito ante­rior­men­te, que esta seja mais ouvi­da e con­si­de­ra­da na res­pon­sa­bi­li­zação dos envol­vi­dos em seu con­fli­to, pois há uma cla­ra vio­lação da hie­rar­quia, já que o pro­ble­ma lhe atin­giu antes que ao Esta­do, mes­mo assim mui­tas vezes sequer é ouvi­da. A Jus­tiça Res­tau­ra­ti­va pro­põe alte­rações nes­te sen­ti­do e tal­vez seja a solução para o caó­ti­co sis­te­ma penal bra­si­lei­ro que cada vez aumen­ta a sua popu­lação car­ce­rá­ria sem ter qual­quer redução nos níveis de vio­lên­cia, dei­xan­do evi­den­te a inefi­cá­cia das medi­das até então apli­ca­das.[8]

2.3 Ordem do Equilíbrio

Por últi­mo, tem-se a ordem do equi­lí­brio. Esta ordem pre­vê que as relações são regi­das pelo dar e tomar. As relações huma­nas são relações de tro­cas recí­pro­cas, tan­to para o bem, quan­to para o mal. Quan­do se rece­be algo, sen­te-se neces­si­da­de de com­pen­sar e, uma vez que se enten­de ter retri­buí­do aqui­lo que se rece­beu, a pes­soa se sen­te ali­via­da. O equi­lí­brio pode advir de tro­cas posi­ti­vas, quan­do alguém faz um bem para o outro e igual­men­te rece­be des­te algo bom, mas tam­bém pode oco­rrer com tro­cas nega­ti­vas, quan­do se faz mal a alguém. Esse equi­lí­brio, no entan­to, só pode ser bus­ca­do em relações entre pes­soas de mes­mo nível hie­rár­qui­co (Hellin­ger, 2020).

A relação entre pais e filhos será sem­pre des­equi­li­bra­da. Os filhos jamais pode­rão retri­buir aos pais o que deles toma­ram e o que de mais valio­so lhes foi dado: a vida. Nes­sas relações, o amor deve seguir adian­te, como o flu­xo de um rio, no sen­ti­do da vida. Assim, os filhos pas­sam o que toma­ram para a pró­xi­ma geração.

Quan­do se tra­ta de relações entre casais, é neces­sá­rio que a retri­buição posi­ti­va seja sem­pre um pou­co maior do que aque­la que se tomou. Já a retri­buição nega­ti­va, deve ser um pou­co menor do que o mal que outro lhe fez e sem­pre com amor. Des­sa for­ma, o equi­lí­brio entre um casal em har­mo­nia não é está­ti­co. A relação deve oco­rrer de modo que as tro­cas sejam valio­sas e maio­res.

Nos aten­di­men­tos da área de famí­lia na Defen­so­ria Públi­ca acon­te­cem mui­tos casos de divór­cio em razão da vio­lação des­ta lei sis­tê­mi­ca. Mulhe­res que mui­tas vezes aban­do­na­ram sua vida pro­fis­sio­nal e se dedi­ca­rem ao rela­cio­na­men­to, após, são aban­do­na­das pelos com­panhei­ros e não enten­dem o que fize­ram de erra­do. Em uma visão sis­tê­mi­ca, obser­va-se que ao dar demais, a mulher se colo­cou como mãe do com­panhei­ro e, este, ao reconhe­cer como impos­sí­vel a retri­buição na mes­ma medi­da, rom­pe o rela­cio­na­men­to.

É salu­tar des­ta­car, entre­tan­to, que Hellin­ger em sua obra em nenhum momen­to afir­ma que o ser humano é natu­ral­men­te ruim. Pelo con­trá­rio, no livro “Con­fli­to e Paz” (Hellin­ger, 2007b, p. 67) o autor afir­ma que o que se jul­ga como pes­soas más são indi­ví­duos com valo­res dis­tin­tos de quem jul­ga.

Esta lei é o ali­cer­ce do Direi­to penal fun­da­men­ta­do na carac­te­rís­ti­ca de retri­bu­ti­vi­da­de da pena. Con­tu­do, nem todo cri­me, na visão sis­tê­mi­ca, neces­si­ta neces­sa­ria­men­te de uma pena, sen­do que somen­te os envol­vi­dos no con­fli­to são real­men­te capa­zes de dizer qual medi­da seria mais plau­sí­vel no caso em con­cre­to para o res­ta­be­le­ci­men­to do equi­lí­brio. Ain­da, como já dito, a retri­buição deve ser sem­pre um pou­co menor do que o mal cau­sa­do, para não virar vin­ga­nça e ser pos­sí­vel reto­mar uma tro­ca posi­ti­va.

O pró­prio Hellin­ger (2001, pp. 42) apon­ta a impor­tân­cia de o agres­sor ser res­pon­sa­bi­li­za­do pelos seus atos:

Quan­do alguém tem uma cul­pa pes­soal, ela é uma fon­te de força, des­de que seja reconhe­ci­da. No momen­to em que alguém reconhe­ce a pró­pria cul­pa, dei­xa de sen­tir-se cul­pa­do. Esse sen­ti­men­to se infil­tra quan­do a cul­pa é repri­mi­da ou não é reconhe­ci­da. Quem reconhe­ce a pró­pria cul­pa se for­ta­le­ce, pois ela se mani­fes­ta como força. Quem nega sua cul­pa e se esqui­va de suas con­se­quên­cias tem sen­ti­men­to de cul­pa e é fra­co. A cul­pa que alguém pos­sui capacita‑o a fazer coi­sas boas. Ele não teria tido força para fazê-las se antes não tives­se reconhe­ci­do essa cul­pa.

Não obs­tan­te, con­si­de­ran­do as pés­si­mas con­dições do sis­te­ma car­ce­rá­rio no Bra­sil, que já foi reconhe­ci­do pelo Supre­mo Tri­bu­nal Fede­ral como “esta­do de coi­sas incons­ti­tu­cio­nal” (vide ADPF 347), tem-se que em boa par­te das vezes os cus­to­dia­dos ao saí­rem das pri­sões sen­tem-se com cré­di­to nega­ti­vo em face do Esta­do, já que mui­tas vezes pra­ti­ca­ram cri­mes sem vio­lên­cia ou gra­ve ameaça, como é o caso do trá­fi­co, mas sofrem tan­tas vio­lações de direi­tos e vio­lên­cia enquan­to estão sob tute­la do Esta­do, que se sen­tem com cré­di­to, o que pode ser um dos fato­res ao alto índi­ce de rein­ci­dên­cia do país (Pas­to­ral Car­ce­rá­ria, 2018).[9]

Considerações finais

A Cons­te­lação Fami­liar é abor­da­gem des­en­vol­vi­da por Bert Hellin­ger e ao mos­trar com cla­re­za as cau­sas mais pro­fun­das dos con­fli­tos, vem reve­lar a gran­de uti­li­da­de da apli­cação dela no sis­te­ma de jus­tiça pois é tão-somen­te a par­tir das cau­sas que se resol­ve real­men­te um pro­ble­ma. Nes­te sen­ti­do o juiz Sami Storch des­en­vol­veu o Direi­to sis­tê­mi­co para deno­mi­nar a aná­li­se do Direi­to sob uma óti­ca basea­da nas ordens supe­rio­res que regem as relações huma­nas, con­for­me demons­tram as cons­te­lações fami­lia­res des­en­vol­vi­da por Hellin­ger.

O Direi­to Sis­tê­mi­co pos­sui um amplo res­pal­do legal nas nor­ma­ti­vas vigen­tes, a exem­plo do art. 4º, VII da Cons­ti­tuição Fede­ral, Reso­lução 125 do Con­selho Nacio­nal de Jus­tiça e art. 3º, § 2º e 3º do Códi­go de Pro­ces­so Civil, mas ain­da é tema des­conhe­ci­do por mui­tos, em que pese seja usa­do até mes­mo como fon­te de juris­pru­dên­cia. Há, ain­da, uma con­fu­são das pos­si­bi­li­da­des de apli­cação prá­ti­ca do Direi­to sis­tê­mi­co, pois além das Cons­te­lações fami­lia­res esta abor­da­gem pos­si­bi­li­ta a uti­li­zação de sim­ples fra­ses, pos­tu­ras e inter­ve­nções com bases nas Ordens do Amor.

Ordens do Amor é expres­são cunha­da por Bert Hellin­ger, mas que pos­te­rior­men­te sua espo­sa Sophie Hellin­ger, com o seu con­sen­ti­men­to, cha­mou de Prin­cí­pios Bási­cos da Vida, para tra­tar “leis” que vigo­ram nas relações huma­nas e não são pas­sí­veis de alte­ração, são elas: Per­ten­ci­men­to, Hie­rar­quia e Equi­lí­brio. Estas Ord­nun­gens pos­si­bi­li­tam que os pro­fis­sio­nais do Sis­te­ma de Jus­tiça tenham um olhar mais apro­fun­da­do dos con­fli­tos e encon­trem as cau­sas de fun­do des­tes. A par­tir dis­so, as par­tes envol­vi­das, pas­sam a ter uma nova for­ma de lidar com os seus pro­ble­mas e se empo­de­ram com melho­res alter­na­ti­vas para resol­vê-los sen­do, por­tan­to, uma nova for­ma de aces­so à jus­tiça.

Referências

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Notas

  1. Espe­cia­lis­ta em Ciên­cias Cri­mi­nais pela Uni­ver­si­da­de Anhan­gue­ra. Espe­cia­lis­ta em Direi­to Sis­tê­mi­co pela Hellin­ger Schu­le. Mes­tran­da em Direi­tos Huma­nos da UFMS. Correio ele­trô­ni­co: jamile.serra.azul@gmail.com

  2. Dou­to­ra e Mes­tre em Direi­to do Esta­do pela PUC/SP. Mem­bro da ABDT, da ADPMS e do CEDIS/UNL. Correio ele­trô­ni­co: limaribas@uol.com.br

  3. Tal fenô­meno é expli­ca­do pelo bió­lo­go e Ph. D Rupert Shel­dra­ke por meio da teo­ria do cam­po mor­fo­ge­né­ti­co. O refe­ri­do bió­lo­go ini­cia a sua aná­li­se do tema no livro “A nova ciên­cia da vida” a par­tir de crí­ti­cas à bio­lo­gia mole­cu­lar que não con­se­gue expli­car, por exem­plo, o que fazem seres huma­nos serem tão dife­ren­tes de Chim­pan­zés, em que pese tenham uma semelha­nça mole­cu­lar de aci­ma de 90% (Shel­dra­ke, 2004, p. 17).

  4. Em ale­mão é “Ord­nun­gen”, expres­são que por vezes será ado­ta­do por este tra­balho.

  5. Esta Ordem tam­bém é cha­ma­da de pre­ce­dên­cia

  6. A téc­ni­ca da cai­xa de areia, em seu nome ori­gi­nal sand­play ou brin­ca­dei­ra na areia em inglês, foi idea­li­za­da pela psi­co­te­ra­peu­ta suíça Dora M. Kalff. Ela teve como base a psi­co­lo­gia ana­lí­ti­ca de Carl Gus­tav Jung e o tra­balho da psi­quia­tra infan­til Mar­ga­ri­ta Lowen­feld. Ela é uti­li­za­da prin­ci­pal­men­te para aces­sar a infor­mação que nem mes­mo o pacien­te já per­ce­beu ou repa­rou de manei­ra cons­cien­te.

  7. Sob o pon­to de vis­ta cien­ti­fi­co uma ânco­ra é uma relação esti­mu­lo- res­pos­ta (Pavlov) ou uma relação cau­sa e efei­to. Com base na psi­co­lo­gia com­por­ta­men­tal o con­di­cio­na­men­to clás­si­co (ou con­di­cio­na­men­to pavlo­viano ou con­di­cio­na­men­to res­pon­den­te) é um pro­ces­so que des­cre­ve a gêne­se e a modi­fi­cação de alguns com­por­ta­men­tos com base nos efei­tos do binô­mio estí­mu­lo-res­pos­ta sobre o sis­te­ma ner­vo­so cen­tral dos seres vivos. O ter­mo con­di­cio­na­men­to clás­si­co encon­tra-se his­to­ri­ca­men­te vin­cu­la­do à “psi­co­lo­gia da apren­di­za­gem” ou ao “com­por­ta­men­ta­lis­mo” (Beha­vio­ris­mo) de John B. Watson, Ivan Pavlov e Fre­de­ric Skin­ner.

  8. Con­fe­rir dados no Rela­tó­rio “Luta anti­pri­sio­nal no mun­do con­tem­po­râ­neo: um estu­do sobre expe­riên­cias de redução da popu­lação car­ce­rá­ria em outras nações” (Pas­to­ral Car­ce­rá­ria, 2018). Dis­po­ní­vel em: https://​car​ce​ra​ria​.org​.br/​w​p​-​c​o​n​t​e​n​t​/​u​p​l​o​a​d​s​/​2​0​1​8​/​0​9​/​r​e​l​a​t​o​r​i​o​_​l​u​t​a​_​a​n​t​i​p​r​i​s​i​o​n​a​l​.​pdf. Aces­so em: 16 out. 2020.

  9. Olhar rela­tó­rio que apre­sen­ta mais 40% de rein­ci­dên­cia no sis­te­ma pri­sio­nal e apro­xi­ma­da­men­te 20% de reen­tra­da no sis­te­ma socio­edu­ca­ti­vo.