Produção de percepções sobre o movimento: contribuições da antiginástica e de mindfulness para a psicomotricidade
Alan David Evaristo Panizzi1, Celso Francisco Tondin2 e Ricardo Rezer3
Instituto Federal Santa Catarina – Câmpus Chapecó, Universidade Federal de São João del-Rei e
Universidade Comunitária da Região de Chapecó
Resumen
Este trabajo tematiza la producción de percepciones sobre el movimiento corporal basándose en las contribuciones de la antigimnasia y del mindfulness a la psicomotricidad, teniendo como objetivo reflexionar sobre la posibilidad de producción de percepciones “más finas” sobre el cuerpo. Se trata de un estudio teórico que parte del campo de interés de la psicomotricidad y propone una integración con la propuesta de feedback corporal, conocida como antigimnasia (Thérèse Bertherat), y la experiencia meditativa denominada mindfulness (Jon Kabat-Zinn). La antigimnasia permite ampliar la capacidad de conexión con sentidos, pues moviliza las fibras musculares para generar composiciones armónicas duraderas. mindfulness amplía el “modo ser”, generando una condición humana más sensible y flexible frente a las emociones intensas. Las tres experiencias referidas permiten “refinar” las percepciones corporales para expandir las posibilidades de respuestas emocionales y comportamentales y constituyen estéticas pautadas en la construcción de sensibilidades sobre el propio movimiento, buscando hacer del cuerpo una vivienda acogedora.
Palabras clave: psicomotricidad, antigimnasia, mindfulness, cuerpo, movimiento.
Resumo
Este trabalho tematiza a produção de percepções sobre o movimento corporal com base em contribuições da antiginástica e de mindfulness para a psicomotricidade, tendo como objetivo refletir sobre a possibilidade de produção de percepções “mais finas” sobre o corpo. Trata-se de um estudo teórico que parte do campo de interesse da psicomotricidade e propõe uma integração com a proposta de feedback corporal, conhecida como antiginástica (Thérèse Bertherat), e a experiência meditativa denominada mindfulness (Jon Kabat-Zinn). A antiginástica permite ampliar a capacidade de conexão com sentidos, pois mobiliza as fibras musculares para gerar composições harmônicas duradouras. mindfulness amplia o “modo ser”, gerando uma condição humana mais sensível e flexível diante das emoções intensas. As três experiências referidas permitem “refinar” as percepções corporais para expandir as possibilidades de respostas emocionais e comportamentais e constituem estéticas pautadas na construção de sensibilidades sobre o próprio movimento, buscando tornar o corpo uma moradia acolhedora.
Palavras-chave: Psicomotricidade, Antiginástica, Mindfulness, corpo, movimento.
Introdução: a psicomotricidade e a sensibilidade sobre o movimento
A psicomotricidade é uma área interdisciplinar do conhecimento um campo de intervenção, cujo objetivo é estudar e possibilitar o desenvolvimento do ser humano por meio da inter-relação do movimento, do intelecto e do afeto. Nesse sentido, Pereira (2014) resgata que a etimologia do termo “psicomotricidade”compreende a junção da palavra psyche (alma, em grego) e motor (movimento, em latim). Seu campo de estudo engloba, portanto, as composições corporais permitidas pela integração superior da motricidade alcançadas pelos encontros entre corpos e destes com objetos, ao longo do ciclo vital.
O modo como o corpo humano se integra e “funciona” mediante movimentos intencionais implica em diversos atos expressivos. Esses atos se materializam através do contato de cada pessoa com seu meio e são perpassados pela qualidade da consciência sobre seu corpo e seus movimentos.
Com base nessa ideia, Pereira (2014) defende a importância do profissional que trabalha com a psicomotricidade não reduzir sua atenção para a constituição orgânica do corpo, como se as patologias ou dificuldades psicomotoras tivessem origem exclusivamente em fatores endógenos. A intervenção psicomotora precisa considerar, assim, que o corpo e seus movimentos assumem diferentes configurações (mais ou menos funcionais) por meio do aprendizado oportunizado pelo contato direto com o outro, pela observação e pelo efeito das experiências afetivas na produção de determinado equilíbrio motor.
Esta autora relata que o psiquiatra e psicólogo francês Ernest Dupré (1862–1921) foi o primeiro cientista a empregar o termo “psicomotricidade” em seus estudos sobre o equilíbrio motor e a patologia associada a essa propriedade humana, então denominada “debilidade motriz”. Entre inúmeras contribuições, este estudioso demonstrou a importante relação da constituição afetiva/psicológica com as anomalias motoras.
É difícil contextualizar a psicomotricidade sem mencionar também os estudos do psicólogo francês Henry Wallon (1879–1962) sobre o desenvolvimento infantil e reeducação psicomotora. Assim como Dupré, Wallon demonstrou em seus estudos a reciprocidade entre as funções psicológicas e motoras como principais responsáveis pelas características do movimento. Ambos os autores evidenciam, portanto, uma composição corporal perpassada por experiências e afetos (Pereira, 2014).
Na contemporaneidade, Vitor da Fonseca (2008) propõe uma abordagem da psicomotricidade que considere as relações e influências reciprocas e sistêmicas entre o psiquismo (sistemas cognitivos) e a motricidade, de modo que a motricidade humana não pode ser compreendida em seus efeitos extra-somáticos justamente por estar entrelaçada com motivações e significações. Para este autor, não é possível separar a motricidade dos processos psicológicos que a integram, representam, elaboram e executam.
Entende-se, portanto, que a produção de sensibilidades (uma percepção aguçada) sobre o corpo e seu sistema muscular constitui-se num campo de interesse central da psicomotricidade. Produção de sensibilidades corporais constitui, ainda, o tema do presente trabalho. Tais sensibilidades constituem via de transformação sobre os modos de corporar4 que podem ser marcados, por exemplo, pela estereotipia e rigidez.
Refletir sobre a produção de percepções “mais finas” sobre o corpo e o movimento (enquanto campo de atenção da psicomotricidade) é o objetivo deste artigo. Para tanto, ele veicula um estudo teórico que parte do campo de interesse da psicomotricidade e propõe uma integração com dois outros campos teóricos: a proposta de feedback corporal, conhecida como antiginástica, da fisioterapeuta francesa Thérèse Bertherat (1931–2014), e a experiência meditativa denominada mindfulness, proposta pelo neurocientista estadunidense Jon Kabat-Zinn (1944-).
Antiginástica e as experiências avançadas de feedback corporal
A antiginástica pode ser descrita como uma experiência de sensibilização corporal voltada para os músculos pouco requisitados em nosso cotidiano. Na contramão dos espaços fitness, em voga na contemporaneidade, ela propõe “soltar” tais músculos ao invés de os fortalecer. Embora tenha sido originalmente desenvolvida por Françoise Mézières, na França, a antiginástica assumiu sua atual configuração principalmente pelas contribuições de Thérèse Bertherat.
Mulher francesa de classe média, Bertherat cursou fisioterapia num momento bastante conturbado de sua vida, pois seu esposo, médico psiquiatra, havia sido assassinado por um paciente. Ela relata que a busca pela fisioterapia constituía um desejo de voltar-se ao corpo como um modo bastante pessoal para superar sua crise vital. Contudo, descreve sua formação acadêmica como mecanicista e fragmentada, o que não lhe satisfez.
Por esse motivo, aproxima-se de diferentes abordagens terapêuticas, como a medicina chinesa, a Gestalt-Terapia e a Psicanálise. Sobretudo, interessa-se de Bertherat pela teoria bioenergética de Wilhelm Reich. Do interesse por uma perspectiva integrada de corporeidade e seu aprofundamento nesses campos do conhecimento toma forma uma terapêutica original oposta ao embrutecimento dos músculos: a antiginástica.
A conceitualização da antiginástica foi elaborada originalmente na obra O corpo tem suas razões: Antiginástica e consciência de si (Bertherat e Berstein, 2010), publicado na França em 1976. Nela, é lançado um olhar sobre a corporeidade associada aos afetos de modo a evidenciar uma composição muscular capaz de se suavizar e flexibilizar. Por isso, os exercícios propostos não se baseiam no esforço, mas na sensibilização e no relaxamento.
Os movimentos propostos pela antiginástica pautam-se na leitura e no reconhecimento dos limites do corpo. Eles facilitam a constituição de uma refinada percepção corporal, evidenciando novas zonas de visibilidade. A experiência da antiginástica não visa à fortificação muscular, procura antes construir um equilíbrio que não tem sido alcançado espontaneamente ao longo do desenvolvimento humano. Para promover novas composições corporais a antiginástica oportuniza atividades que discriminam a relação entre os músculos posteriores e anteriores. Essas experiências levam em conta o fato de que, comumente, os músculos das costas, por serem prioritários, inibem os frontais. Para a antiginástica, o enrijecimento do conjunto de músculos posteriores decorre da cronificação de posições viciosas.
Bertherat e Berstein (2001) seguem explicando que, na medida em que os músculos anteriores assumem uma condição coadjuvante em relação aos posteriores, eles ficam flácidos. Os efeitos dessa condição sobre a composição global do corpo não são facilmente percebidos, pois quanto mais tenso está o corpo, menos espaço resta para a sensibilidade. Portanto, ao permitir ao corpo um feedback de seus encurtamentos e tensões, facilita-se sua maleabilidade e transformação.
Para a antiginástica, o enrijecimento e a estereotipia dos movimentos têm origem ainda nos tempos de infância. Tais estados podem decorrer, por exemplo, da cronificação da resposta do corpo infantil ao medo, à angústia ou à solidão. A reconfiguração corporal permitida pela antiginástica proporciona uma sensação de unidade decorrente do equilíbrio entre as cadeias musculares posteriores e anteriores. Como resultado dessa condição corporal permite-se um estado de presença tenaz, flexível e passível de maior amplitude articular.
As experiências de antiginástica são pautadas pelo pressuposto de que em cada encurtamento muscular existe uma história materializada. Quando os músculos são reprimidos produz-se uma tensão e, ao passo que essa condição se torna cotidiana, a tensão permanece latente. Como resultado, o corpo funciona cronicamente de modo inseguro e fragmentado.
Importante salientar que nas práticas de antiginástica não se exemplifica qualquer movimento. As experiências corporais não buscam a imitação ou generalização de uma performance pré-estabelecida, mas justamente o reconhecimento da singularidade de cada corpo (Costa, 1999). Nesse sentido, não existe problema quando se “fracassa” em produzir qualquer movimento ou posição, pois não se pretende impor ao corpo o que ele ainda não pode dar. Ou seja, na antiginástica não se trata de treinar o corpo, mas senti-lo, o que implica desde a especificidade do acionamento de músculos e grupos musculares “esquecidos” até a ampliação do corpo como possibilidade de conhecimento de si, dos outros e do mundo.
Mindfulness e a disposição para curiosidade e atenção plena
O termo inglês mindfulness não possui uma equivalência exata no português, mas comumente é traduzido e conceituado por “atenção plena”. Nesse sentido, pode-se compreender mindfulness como um estado cognitivo/fisiológico de presença acessível a qualquer pessoa por meio de diferentes exercícios de meditação. Embora tenha suas origens na religiosidade oriental (especialmente no Budismo), mindfulness configurou-se atualmente numa terapêutica laica pautada em pesquisas no campo da psicofisiologia.
Desde 1977, a Associação Americana de Psiquiatria estuda e recomenda a utilização de práticas meditativas. Contudo, pode-se tomar a criação do Centro de mindfulness na Universidade de Massachusetts (EUA), pelo neurocientista Jon Kabat-Zinn, como um marco para o desenvolvimento de pesquisas científicas sobre esse estado fisiológico e cognitivo. Isso é especialmente válido no que diz respeito ao seu efeito na redução de estresse e ansiedade, como indicam Dermazo e Campayo (2015).
Mindfulness não é, em si, uma prática meditativa, mas uma condição de atenção plena possível de ser assumido pelas pessoas. A associação entre mindfulness e meditação se deve ao fato de diversas técnicas meditativas serem utilizadas como instrumento para se produzir e manter esse estado. Algumas qualidades psicofisiológicas constituem a base de mindfulness, a principal delas implica a capacidade de estar centrado (oposição à distração ou sonolência) na experiência presente. Esse estado de atenção é um exercício intencional, por isso requer esforço e é passível de ser construído por meio de diferentes práticas.
Essa qualidade de mindfulness se comunica com a intencionalidade da intervenção em psicomotricidade junto a pessoas com estresse e ansiedade. Sobre a intervenção psicomotora diante dessas condições psicofisiológicas, Lovisaro (2012) afirma a importância de se promover o enfoque da pessoa no aqui e agora e o abandono dos atos de desatenção. Por isso, é fundamental que esta atividade seja vivida na entrega total do indivíduo ao fazer, de modo que a atenção esteja plenamente dirigida para a ação e a distração não encontre lugar para se manifestar.
Na mesma direção defendida por Lovisaro, pesquisas recentes em ressonância magnética apontam que várias estruturas cerebrais se transformam por meio da prática regular de mindfulness. Isso decorre basicamente do fato do cérebro ser capaz (em estado mindful) de “aprender” outros modos mais eficazes de interagir e responder diante de estímulos internos e externos (Saban, 2015). Para além disso, viver a corporeidade representa uma possibilidade de alargar nossa leitura de mundo, na medida em que nos desafiamos a viver o mundo corporalmente, para além dos aspectos racionais, via de regra, forma hegemônica de leitura de mundo.
Em outras palavras, ao praticar mindfulness desenvolve-se uma leitura mais fina das transformações fisiológicas decorrentes de diferentes estados afetivos. Também desenvolve-se uma condição conhecida como self observador. Nela é possível experimentar um afastamento da emoção (por observá-la persistentemente e com serenidade) e uma maior possibilidade de contemplar e produzir diferentes respostas aos fortes estímulos cotidianos
Importante mencionar que mindfulness implica uma condição de aceitação do momento presente. Não se trata de um estado de ostracismos ou passividade, mas uma disposição para a abertura e curiosidade em detrimento da insatisfação ou da crítica crônica. A experiência de mindfulness se relaciona intimamente com a psicomotricidade visto que utiliza recursos de feedback corporal voltados para experiências sensoriais, emocionais e cognitivas como recursos necessários para a manutenção de um estado de presença atento.
Um exemplo de uma prática de conscientização psicomotora utilizada em mindfulness é o body scan ou escaneamento corporal. Nessa prática, a âncora da atenção se volta para as sensações de cada parte do corpo que são exploradas detalhadamente. O body scan constitui uma experiência de feedback corporal pois auxilia a desenvolver a sensibilidade sobre as composições musculares, tornando mais fina a leitura dos sinais corporais.
Mindfulness permite uma alternativa ao que Dermazo e Campayo (2015) entendem ser um padrão de funcionamento cognitivo hegemônico na atualidade: o “modo fazer”. Ela (alternativa) implica um estado menos narrativo e mais experiencial da consciência, que é chamado de “modo mindful” ou “modo ser”.
De modo geral, o “modo fazer” é marcado pela busca constante de metas que implica uma atenção permanentemente voltada ao passado e ao futuro. Esse estado cognitivo cotidiano comumente se pauta por um contínuo diálogo interno marcado pela divagação e pela avaliação classificatória de todos os fenômenos (bom/mau, útil/inútil, agradável/desagradável). Ele ainda é caracterizado por divagações mentais nas quais se gasta grande energia com idealizações sobre como os fenômenos poderiam agradar as pessoas.
Por sua vez, o “modo ser” se apresenta, como dito, menos narrativo, pois nele não existe uma constante procura por metas e, dessa maneira, a mente não gasta tanta energia analisando discrepâncias. O foco volta-se para aceitar e experienciar plenamente a dinâmica atual com paciência. Desse modo, diminui-se a pressão para focar a atenção em julgar e em criar mecanismos dispersivos diante de fenômenos emocionais desagradáveis (Dermazo e Campayo, 2015).
Evidentemente, o funcionamento cognitivo baseado no “modo fazer” é necessário em muitos espaços do cotidiano, como fica evidente na produção acadêmica ou mesmo no contexto de negócios. A prática de mindfulness permite, no entanto, que seja possível voluntariamente escolher qual modo de funcionamento é mais apropriado em cada contexto. Como resultado, pode-se alternar os estados cognitivos, ora focando em processos de avaliação e conceitualização, ora obtendo-se maior produtividade e serenidade pelo adensamento nas experiências cotidianas.
Embora à primeira vista o “modo ser” ou “modo mindful” pareça ser abstrato, exercícios meditativos voltados para manter o foco da atenção em um objeto interno (respiração, estados corporais) ou externo (cheiros, sons) podem oportunizar essa condição. Para tanto, é necessário que tais exercícios constituam prática regular na rotina.
Desse modo, deve-se ter claro que mindfulness não implica em “esvaziar a mente”, como popularmente se diz; implica antes em num estado de entrega integral ao momento presente. Embora os exercícios de mindfulness possam produzir algum grau de relaxamento, o objetivo é manter o estado de alerta e não o de sonolência. O principal obstáculo a ser superado é a divagação mental. Em tempos de aceleração, sem dúvidas, um desafio do ser perante si mesmo.
Considerações finais
Assim como a psicomotricidade as experiências de antiginástica e de mindfulness permitem “refinar” as percepções corporais para expandir as possibilidades de respostas emocionais e comportamentais. Para chegar a esse objetivo, o mindfulness e a antiginástica têm produzido um significativo repertório de técnicas. É relevante, entretanto, que não se encontre na literatura científica estudos mais aprofundados sobre as possibilidades e limites das contribuições destas propostas para as práticas psicomotricidade. Também não se localizam estudos sobre possíveis efeitos de potencialização da experiência de antiginástica para o mindfulness e vice-versa.
Através do “modo ser” é possível, segundo Kotsou (2015), produzir uma condição cognitiva, corporal, sensível etc., enfim, uma condição humana, mais flexível diante das emoções intensas. Tal flexibilidade é alcançada pela obtenção de uma perspectiva mais panorâmica e afastada diante das emoções e seus efeitos fisiológicos que a prática de mindfulness permite.
Em resultado, obtém-se maior poder de escolha em momentos críticos e maior capacidade de usufruir de serenidade em momentos cotidianos. Devido a essa propriedade da prática de mindfulness, existem estudos sobre sua utilização no contexto da saúde pública. Por exemplo, o Sistema Nacional de Saúde Inglês tem estudado e apoiado o uso desta prática associado à psicoterapia cognitivo comportamental para tratamento de depressão (National Health, 2016).
De modo semelhante às práticas em psicomotricidade, a prática de mindfulness implica nos desvencilharmos de hábitos fortemente condicionados que nos fazem sentir improdutivos. Como exposto, Saban (2015) afirma que tal desvencilhamento engloba superar a necessidade de compartimentar os acontecimentos entre bons ou ruins.
Também implica ser capaz de estar sereno diante de emoções aversivas, que fazem parte da vida humana, sem incorrer-se em modos impulsivos de evitação. Curiosamente, ser capaz de vivenciar plenamente experiências afetivas dolorosas parece estar relacionado à capacidade de aproveitar melhor as experiências agradáveis. Coloca-se, assim, a possibilidade de nos depararmos com o “improdutivo” e com a dor para além do utilitarismo e do produtivismo do mundo contemporâneo.
Cada conhecimento ao seu modo, psicomotricidade, mindfulness e antiginástica, permite ampliar paulatinamente a capacidade de conexão com sentidos. Sob tensão ou rigidez o movimento corporal (sempre expressivo) se assemelha a uma máquina executora de tarefas sem reciprocidade com a ação. Nessa condição, a pessoa sente, por exemplo, o pé ou ombro enrijecido, mas não a relação destes membros com o restante do corpo.
Tal princípio se comunica com a proposta de intervenção psicomotora elaborada por Vitor da Fonseca (2008), para quem deve-se propor unidade na complexidade humana através das relações funcionais/disfuncionais e das manifestações biopsicossociais. Dessa forma, os exercícios de psicomotricidade devem intervir nas dissociações/desconexões e perturbações ao longo do desenvolvimento.
A experiência afetiva resultante das experiências de mindfulness e antiginástica se aproxima de um relaxamento na medida em que o corpo encontra respostas aos enrijecimentos dorsais e cervicais. Nesse processo, comumente constrói-se um singular equilíbrio do tônus muscular e, ainda, da respiração. Ao permitir compreender vícios e falhas na percepção de si, a experiência promove uma consciência integrada sobre o corpo, ou seja, uma potência da própria consciência corporal. Com isso, permite a produção de respostas mais criativas, eficazes e autênticas. O corpo não esquece as experiências, mas é possível reconfigurar o efeito dessas memórias na sua composição.
As experimentações em antiginástica se pautam nas microssensibilidades desenvolvidas sobre os músculos pouco demandados no cotidiano. Assim como nas experiências de psicomotricidade, os movimentos fomentados pela antiginástica não são embrutecidos. Antes, cada órgão, cada músculo, é percebido em sua função e nas sensações que promove. A ideia é mobilizar as fibras musculares para gerar composições harmônicas duradouras.
Embora esse artigo conceitue as práticas de mindfulness e antiginástica em comunicação com a psicomotricidade, deve-se ter em mente que todos esses campos de conhecimento não podem ser apropriados pela simples aquisição de conceitos. As três áreas pressupõem além de estudo teórico um contato experiencial e práticas regulares como meio de apropriação.
Martha Lovisaro (2012), reconhecida psicomotricista brasileira, afirma a importância de novos padrões comportamentais se constituírem a partir da consciência corporal. Ela toma como exemplo os processos respiratórios, aos quais estão ligados o medo, a raiva, frustração e tédio. Sentimentos esses passíveis de ser compreendidos para além da sua pretensa negatividade, mas como possibilidades de movimento na compreensão da própria desadaptação, tornando as pessoas menos angustiadas e mais responsáveis pela melhora.
Psicomotricidade, mindfulness e antiginástica construíram intervenções altamente especializadas, mas os profissionais dessas áreas poderiam se beneficiar de uma sistematização rigorosa das possíveis comunicações de cada campo em relação ao outro. As três experiências constituem, ainda, estéticas pautadas na construção de sensibilidades sobre a próprio movimento, buscando tornar o corpo uma moradia acolhedora. Acolhido, o corpo se abre para usufruir novas composições e novas percepções.
Referências
Bertherat, T. e Berstein, C. (2001). Correio do corpo: novas vias da Antiginástica. 2. ed. São Paulo, Brasil: Martins Fontes.
Bertherat, T. e Berstein, C. (2010). O corpo tem suas razões: Antiginástica e consciência de si. 21. ed. São Paulo, Brasil: Martins Fontes.
Costa, E. M. B. (1999). O corpo feminino no encontro com a Antiginástica. Dissertação (Mestrado Acadêmico em Educação Física) - Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação Física da São Paulo. 217f.
Dermazo, M. e Campayo, J. G. C. (2015). Manual prático – Mindfulness: curiosidade e aceitação. São Paulo, Brasil: Palas Athenas.
Fonseca, V. (2008). Terapia psicomotora. Petrópolis, Brasil: Vozes.
Kotsou, I. (2015). Caderno de exercícios de atenção plena. Petrópolis, Brasil: Vozes.
Lovisaro, M. (2012). Psicomotricidade e estresse. Em FERNANDES, J. M G. A. e FILHO, P. J. B G. (eds.). Psicomotricidade: abordagens emergentes. (58-71). Taubaté, Brasil: Manole.
National Health (2016). Depression in adults: recognition and management. URL disponível em: https://www.nice.org.uk/guidance/CG90
Pereira, E. D. B. (2014). Manifestação da psicomotricidade em técnicas de educação corporal e somática da atualidade. Cadernos de Pós-Graduação em Distúrbios do Desenvolvimento, 14(2), 75-84.
Saban, M. T. (2015). Introdução à terapia de aceitação e compromisso. 2. ed. Belo Horizonte, Brasil: Artesã.
Notas
1. Psicólogo do Instituto Federal Santa Catarina – Câmpus Chapecó. E‑mail: alanpanizzi@gmail.com.
2. Professor do Departamento de Psicologia – graduação e Programa de Pós-Graduação em Psicologia – da Universidade Federal de São João del-Rei. E‑mail: celsotondin@ufsj.edu.br.
3. Professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Comunitária da Região de Chapecó. E‑mail: rrezer@unochapeco.edu.br.
4. O termo “corporar” se justifica pela perspectiva dinâmica que este artigo propõe sobre a corporeidade, ou seja, uma condição constantemente passível de ser transformada e reconfigurada mediante as experiências vitais.