4. Funções parentais e adolescência na contemporaneidade: considerações a partir de uma ilustração clínica Descargar este archivo (4. Funções parentais e adolescência na contemporaneidade.pdf)

Roberta Araujo Monteiro1, Mônica Medeiros Kother Macedo2, Thomas Gomes Gonçalves3

Sigmund Freud Associação Psicanalítica, Porto Alegre/RS, Brasil

Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre/RS, Brasil

Resu­men

La ado­les­cen­cia es un momen­to com­ple­jo en la vida de un joven que se encuen­tra con inten­sas deman­das psí­qui­cas, bio­ló­gi­cas y socia­les que cau­sa­rán trans­for­ma­cio­nes en su mun­do intrap­sí­qui­co y en sus pro­ce­sos inter­re­la­cio­na­les. Con una com­pren­sión que no pue­de enten­der el ado­les­cen­te ais­lán­do­lo del con­tex­to en que vive, es fun­da­men­tal situar­lo fren­te a las deman­das con­tem­po­rá­neas, reanu­dan­do ele­men­tos acer­ca del pro­ce­so de cons­truc­ción del sí mis­mo. Es esen­cial hablar de la rele­van­cia de la cua­li­dad y de las con­di­cio­nes de las fun­cio­nes paren­ta­les tam­bién pasi­bles de influen­cias del actual con­tex­to. Este tra­ba­jo pro­po­ne una refle­xión sobre el ejer­ci­cio de las fun­cio­nes paren­ta­les y sus efec­tos en la rela­ción con los ado­les­cen­tes en el esce­na­rio actual. A tra­vés de pre­sen­ta­ción de ele­men­tos teó­ri­cos y de una ilus­tra­ción clí­ni­ca, se per­ci­be que los dichos actua­les de auto­cen­tra­mien­to pare­cen hacer frá­gi­les las rela­cio­nes y poten­cia­li­zar actos de desin­ves­ti­du­ra y des­cui­do paren­tal.

Pala­bras cla­ve: ado­les­cen­cia, fun­cio­nes paren­ta­les, con­tem­po­ra­nei­dad, psi­co­aná­li­sis.

 

Resu­mo

A ado­les­cên­cia é um momen­to com­ple­xo do ciclo vital no qual o jovem se depa­ra com inten­sas deman­das psí­qui­cas, bio­ló­gi­cas e sociais que aca­rre­ta­rão trans­for­mações no seu mun­do intrap­sí­qui­co e em seus pro­ces­sos inter-rela­cio­nais. A par­tir do enten­di­men­to que não se pode com­preen­der o ado­les­cen­te isolando‑o do con­tex­to em que vive, tor­na-se fun­da­men­tal situá-lo fren­te às deman­das con­tem­po­râ­neas, reto­man­do ele­men­tos impor­tan­tes rela­ti­vos ao pro­ces­so de cons­trução do si mes­mo. Nes­sa direção, é essen­cial abor­dar a rele­vân­cia da qua­li­da­de e das con­dições refe­ren­tes às funções paren­tais tam­bém pas­sí­veis de influen­cias do atual con­tex­to. Esse arti­go pro­põe uma refle­xão sobre o exer­cí­cio das funções paren­tais e os efei­tos des­tas na relação com os filhos ado­les­cen­tes no cená­rio con­tem­po­râ­neo. Atra­vés da apre­sen­tação de ele­men­tos teó­ri­cos e de uma ilus­tração clí­ni­ca, per­ce­be-se que os dita­mes atuais de auto­cen­tra­men­to pare­cem fra­gi­li­zar as relações e poten­cia­li­zar atos de desin­ves­ti­men­to e des­cui­do paren­tal.

Pala­vras-cha­ve: ado­les­cên­cia, funções paren­tais, con­tem­po­ra­nei­da­de, psi­ca­ná­li­se.

Introdução

A Psi­ca­ná­li­se, con­si­de­ran­do o valor que atri­bui à sin­gu­la­ri­da­de dos pro­ces­sos intrap­sí­qui­cos, dedi­ca-se a com­preen­der os efei­tos oriun­dos das trans­for­mações sociais, polí­ti­cas e cul­tu­rais nos cam­pos intra e inter­sub­je­ti­vo. Ao lançar seu olhar inte­rro­ga­ti­vo e refle­xi­vo a res­pei­to das impor­tan­tes deman­das atuais sobre o pro­ces­so de cons­trução psí­qui­ca, assim como ao abor­dar as moda­li­da­des de pade­ci­men­to psí­qui­co que daí podem advir, a Psi­ca­ná­li­se reafir­ma sua vita­li­da­de como teo­ria, méto­do e téc­ni­ca.

Dis­cu­tir sobre a com­ple­xi­da­de do pro­ces­so de cons­ti­tuição do psi­quis­mo impli­ca ter como pon­to de par­ti­da uma ideia não des­en­vol­vi­men­tis­ta, ou seja, assu­mir a pro­po­sição de que o apa­relho psí­qui­co não está dado des­de a ori­gem da vida. Con­si­de­ra-se, des­sa for­ma, o rele­van­te papel des­em­penha­do pelas expe­riên­cias e con­fli­ti­vas pró­prias às diver­sas eta­pas da vida, já que essa ampla gama de expe­riên­cias terá uma impor­tan­te con­tri­buição no pro­ces­so de cons­ti­tuição do psi­quis­mo. A par­tir de tais con­si­de­rações, afir­ma-se o nas­ci­men­to de um sujei­to psí­qui­co a par­tir do encon­tro com o outro. A neces­si­da­de dos seres huma­nos de huma­ni­za­rem-se na cul­tu­ra faz com que a pre­se­nça do semelhan­te seja ineren­te a sua pró­pria cons­ti­tuição (Bleich­mar, 2005). Este é um encon­tro inau­gu­ral sob vários aspec­tos e, como refe­re Bleich­mar (2005),

“no outro se ali­men­tam não somen­te nos­sas bocas senão nos­sas men­tes; dele rece­be­mos jun­to com o lei­te, o ódio e o amor, nos­sas pre­fe­rên­cias morais e nos­sos valo­res ideo­ló­gi­cos. O outro está ins­cri­to em nós e isso é inevi­tá­vel” (p. 08).

Além de inevi­tá­vel, esse é um encon­tro vital e neces­sá­rio no pro­ces­so de cons­ti­tuição de um sujei­to psí­qui­co. Sen­do assim, as mar­cas deco­rren­tes des­se encon­tro tra­zem des­do­bra­men­tos e efei­tos dis­tin­tos nas eta­pas do des­en­vol­vi­men­to, entre as quais está ins­cri­ta a sin­gu­la­ri­da­de da ado­les­cên­cia.

Duran­te a infân­cia é ain­da pos­sí­vel adiar encon­tros, atos e deci­sões, porém, na ado­les­cên­cia, esse adia­men­to não é mais pos­sí­vel. A ado­les­cên­cia mar­ca uma dife­re­nça em relação à tem­po­ra­li­da­de, à sexua­li­da­de e à reali­da­de. Nes­sa eta­pa da vida, as expe­riên­cias têm como cen­tro as pro­ble­má­ti­cas rela­ti­vas ao pró­prio Eu, ou seja, na ado­les­cên­cia, o sujei­to se depa­ra com a inadiá­vel exigên­cia de rever o pas­sa­do e pre­pa­rar-se para o futu­ro, bem como assu­mir um papel mais ati­vo em relação a suas trans­for­mações (Rother Horns­tein, 2006).

A ado­les­cên­cia é, por­tan­to, um momen­to bas­tan­te com­ple­xo no ciclo vital, abar­can­do em si mes­ma a expres­são de con­tra­dições ineren­tes à con­dição huma­na. O jovem se depa­ra com novas con­quis­tas e pos­si­bi­li­da­des de inves­ti­men­to num tem­po futu­ro; por outro lado, enfren­ta a neces­si­da­de de dar con­ta de inten­sas deman­das psí­qui­cas, bio­ló­gi­cas e sociais que aca­rre­ta­rão trans­for­mações tan­to em seu mun­do intrap­sí­qui­co, quan­to em seus pro­ces­sos inter-rela­cio­nais. Nes­sa eta­pa, não é mais pos­sí­vel man­ter os pri­vi­lé­gios da infân­cia e há um desejo de aces­so às pre­rro­ga­ti­vas do mun­do adul­to; porém, essa transição não se dá de for­ma linear ou isen­ta de con­fli­tos. Ler­ner (2006) assi­na­la que a sub­je­ti­vi­da­de diz res­pei­to “à pos­si­bi­li­da­de que tem um sujei­to de criar ao outro, ao mun­do e a si mes­mo” (p. 30). Nas pala­vras do autor, expli­ci­ta-se o prin­ci­pal tra­balho psí­qui­co da ado­les­cên­cia: a par­tir de inter­câm­bios que fazem par­te de sua his­tó­ria; tra­ta-se ago­ra de esta­be­le­cer os limi­tes do si mes­mo e o lugar do outro em seu mun­do psí­qui­co.

A ado­les­cên­cia é um momen­to da vida no qual são des­fei­tos, refei­tos e cons­truí­dos inves­ti­men­tos tan­to em relação a si mes­mo como aos outros. O mun­do pul­sio­nal se vê dian­te de novos des­afios e pos­si­bi­li­da­des; as vicis­si­tu­des dos inves­ti­men­tos estão atre­la­das às con­dições de ela­bo­ração e meta­bo­li­zação das inten­si­da­des psí­qui­cas. A suces­são de ligações, des­li­ga­men­tos e reli­ga­men­tos psí­qui­cos con­ta da com­ple­xi­da­de e da diver­si­da­de des­te “tem­po” na vida.

A par­tir do enten­di­men­to que não se pode com­preen­der o ado­les­cen­te isolando‑o do con­tex­to no qual ele vive, tor­na-se fun­da­men­tal situá-lo fren­te às deman­das con­tem­po­râ­neas, reto­man­do alguns ele­men­tos impor­tan­tes refe­ren­tes ao pro­ces­so de cons­trução do si mes­mo. Logo, é essen­cial que se abor­de a rele­vân­cia da qua­li­da­de e das con­dições refe­ren­tes às funções tam­bém pas­sí­veis de influen­cias fren­te às deman­das pró­prias do atual con­tex­to inter­sub­je­ti­vo. Esse arti­go pro­põe uma refle­xão sobre as con­dições que mar­cam o exer­cí­cio das funções paren­tais e os efei­tos des­tas na relação com os filhos ado­les­cen­tes no cená­rio con­tem­po­râ­neo. Para isso, apre­sen­tam-se ele­men­tos teó­ri­cos que serão reto­ma­dos a par­tir da apre­sen­tação de uma ilus­tração clí­ni­ca. Assim, bus­ca-se ampliar a dis­cus­são a res­pei­to das con­se­quên­cias de um tem­po mar­ca­do por deman­das de auto­cen­tra­men­to sob a qua­li­da­de do exer­cí­cio das funções paren­tais que têm em sua essên­cia uma ligação com a capa­ci­da­de de cui­dar do outro. Espe­cial­men­te fren­te às deman­das de cui­da­do da ado­les­cên­cia, os dita­mes de auto­cen­tra­men­to pare­cem fra­gi­li­zar as relações e poten­cia­li­zar atos de desin­ves­ti­men­to e de des­cui­do, dis­fa­rçan­do-os no dis­cur­so paren­tal de res­pei­to à auto­no­mia de seus filhos ado­les­cen­tes.

Impac­to da con­tem­po­ra­nei­da­de na vivên­cia do ado­les­cen­te

Uma com­preen­são sobre o sujei­to só é pos­sí­vel se este é con­si­de­ra­do “imer­so no his­tó­ri­co-social, entra­man­do prá­ti­cas, dis­cur­sos, sexua­li­da­de, ideais, desejos, ideo­lo­gias e proibições” (Horns­tein, 2008; p.17). Logo, refle­tir sobre temá­ti­cas da ado­les­cên­cia sig­ni­fi­ca reafir­mar sua impli­cação com os cená­rios social, bio­ló­gi­co e psí­qui­co nos quais o jovem está imer­so.

No aces­so à puber­da­de, a dimen­são bio­ló­gi­ca evi­den­te e as trans­for­mações cor­po­rais, ana­tô­mi­cas e fisio­ló­gi­cas que con­tem­pla e até mes­mo a ampliação de capa­ci­da­des cog­ni­ti­vas, leva­das a seu máxi­mo, são facil­men­te iden­ti­fi­cá­veis e inven­ta­riá­veis, sen­do bas­tan­te conhe­ci­das em sua ori­gem, seus meca­nis­mos e sua evo­lução (Cahn, 1999; p.15). No entan­to, afir­mar a exis­tên­cia de aspec­tos “menos dis­cu­tí­veis” não sig­ni­fi­ca des­con­si­de­rar as diver­si­da­des pos­sí­veis quan­to a rit­mo, des­ar­mo­nias e impli­cações des­tes no plano afe­ti­vo. Já no âmbi­to social, é neces­sá­rio reconhe­cer a inci­dên­cia de variá­veis mais com­ple­xas. Des­sa for­ma, asso­ciam-se e se inter­pe­ne­tram os efei­tos da dimen­são social e a dimen­são psí­qui­ca.

No rit­mo que mar­ca a pas­sa­gem do tem­po, as con­fi­gu­rações da con­tem­po­ra­nei­da­de tam­bém tra­zem a hera­nça de um tem­po pas­sa­do. O sujei­to “se encon­tra em um âmbi­to de inter­câm­bio loca­li­za­do no espaço-tem­po, no qual cons­trói um mun­do e por sua vez é cons­truí­do por esse mun­do que cons­trói” (Ler­ner, 2006, p.31). Os tem­pos atuais podem bem ser defi­ni­dos a par­tir de con­cei­tos, como “socie­da­de do espe­tácu­lo”, “cul­tu­ra do nar­ci­sis­mo” e “tem­pos líqui­dos”- for­mu­lações de Debord (1997), Lasch (1983) e Bau­man (2000), res­pec­ti­va­men­te. Todas essas for­mu­lações reme­tem à ideia de auto­cen­tra­men­to e ao pre­do­mí­nio da super­fi­cia­li­da­de e flui­dez dos laços afe­ti­vos sus­ten­ta­dos na con­tem­po­râ­nea socie­da­de do espe­tácu­lo.

A par­tir dis­so, Maia (2005) enten­de que as relações tor­nam-se for­mas de alcan­ce do pra­zer ime­dia­to, e, quan­do há qual­quer ameaça de sofri­men­to, o outro é, rapi­da­men­te, des­car­ta­do. Dockhorn e Mace­do (2008) argu­men­tam, ain­da, que o desejo, ao invés de se cons­ti­tuir como uma ferra­men­ta de modi­fi­cação e rein­ve­nção do si mes­mo, do social e do mun­do, pas­sa a ter uma direção exibi­cio­nis­ta e auto­cen­tra­da, levan­do a um esva­zia­men­to do espaço da inter­sub­je­ti­vi­da­de. Em uma socie­da­de orga­ni­za­da pelo con­su­mo, a exigên­cia é de estar sem­pre pron­to para o apro­vei­ta­men­to abso­lu­to dos “bens” e para o des­en­vol­vi­men­to de novos desejos fren­te a inces­san­tes seduções que se apre­sen­tam sem­pre como indis­pen­sá­veis.

Ao tomar como refe­rên­cia essa ima­gem social cons­truí­da para o sujei­to, salien­ta-se o fato de os afe­tos huma­nos per­de­rem o seu lugar no mun­do con­tem­po­râ­neo. A angús­tia e a tris­te­za não podem ser sen­ti­das no ideá­rio pós-moderno, e qual­quer sinal des­tas tor­na-se uma ameaça a ser com­ba­ti­da por meio de dis­po­si­ti­vos que pos­sam neu­tra­li­zá-las, sejam anti­de­pres­si­vos ou outras dro­gas diver­sas (Maia, 2005). A par­tir da cres­cen­te mer­can­ti­li­zação de todos os domí­nios da expe­riên­cia huma­na, “ven­de-se” o cor­po, na bus­ca por se tor­nar o refle­xo dos mode­los per­fei­tos e idea­li­za­dos, e “ven­de-se” a alma, inun­da­da pelos ape­los de psi­co­fár­ma­cos, livros de auto­aju­da e pro­gra­mas midiá­ti­cos (Dockhorn e Mace­do, 2008). Todas essas carac­te­rís­ti­cas apon­tam para uma socie­da­de na qual a ausên­cia de pade­ci­men­tos ou a com­ple­tu­de ilu­só­ria ace­nam como con­dições pas­sí­veis de serem alca­nça­das.

Esse cená­rio traz, tam­bém, impor­tan­tes con­se­quên­cias no movi­men­to que pos­si­bi­li­ta ao ado­les­cen­te fazer a alter­nân­cia de desin­ves­ti­men­tos e inves­ti­men­tos que ser­ve como um rele­van­te fator na pro­moção de seus pro­je­tos, metas e ideais, os quais lhe per­mi­tem inves­tir em um tem­po futu­ro. Nes­sa direção, como fica, nes­ses tem­pos de pre­ten­sa com­ple­tu­de, a exigên­cia de não se ocu­par da fal­ta jus­ta­men­te por não poder reconhe­cê-la? E quais con­se­quên­cias têm para o ado­les­cen­te a cons­ta­tação que se impõe, a par­tir da fra­tu­ra da ilu­são des­sa pre­ten­sa com­ple­tu­de, que a pos­se de bens de con­su­mo pro­me­te e não pode cum­prir? Assim, o não alcan­ce das metas ou ideais con­tem­po­râ­neos pode rapi­da­men­te asso­ciar-se a ideias de fra­cas­so e inca­pa­ci­da­de. Se a com­ple­tu­de é garan­tia de feli­ci­da­de, qual o lugar des­ti­na­do à incom­ple­tu­de huma­na? Nes­sa dinâ­mi­ca, o vazio e o tédio aden­tram a vida do ado­les­cen­te denun­cian­do o ris­co dos frá­geis e fra­tu­ra­dos inves­ti­men­tos resul­tan­tes des­ses tem­pos de pres­sa e con­su­mo. Ao situar-se aquém da pro­pos­ta con­tem­po­râ­nea de com­ple­tu­de, impos­sí­vel de ser atin­gi­da inde­pen­den­te da exis­tên­cia ou não de capa­ci­da­des por par­te do ado­les­cen­te, abrem-se con­dições de expres­são de exces­sos via pade­ci­men­tos no cam­po das adições, das trans­gres­sões e do ime­dia­tis­mo, os quais, assim como prá­ti­cas feti­chis­tas, denun­ciam uma per­ver­si­da­de e uma par­cia­li­da­de no cená­rio inter­sub­je­ti­vo.

Os des­afios da con­tem­po­ra­nei­da­de dei­xam, por­tan­to, efei­tos no pro­ces­so de sub­je­ti­vação ado­les­cen­te, e, mui­tas vezes, a des­me­su­ra do que o inva­de expõe a pre­ca­rie­da­de de suas pos­si­bi­li­da­des de enfren­ta­men­to. A par­tir dis­so, Ler­ner (2006) faz um con­tra­pon­to, no cená­rio atual, entre o que deno­mi­na dois tipos de ado­les­cen­tes: o ado­les­cen­te nave­ga­dor, dota­do de uma plas­ti­ci­da­de egói­ca e o ado­les­cen­te do des­car­te ou da des­or­ga­ni­zação, o qual se situa na esfe­ra das psi­co­pa­to­lo­gias, como depres­sões, doe­nças psi­cos­so­má­ti­cas, frag­men­tações e adições. Nas pala­vras do autor, o ado­les­cen­te da des­or­ga­ni­zação, ao con­trá­rio do ado­les­cen­te nave­ga­dor, não pode nave­gar, tam­pou­co cons­truir, expe­ren­cian­do um colap­so em qual­quer pro­je­to que ini­cia. Para que seja via­bi­li­za­do o inver­so des­sa con­fi­gu­ração de des­car­te, é impor­tan­te, segun­do Ler­ner (2006), que o sujei­to estru­tu­re pro­je­tos, arme his­tó­rias e, assim, gere um futu­ro. Aden­tra-se, des­sa for­ma, o terreno da inter­sub­je­ti­vi­da­de, levan­do em con­ta a qua­li­da­de de relações já expe­ri­men­ta­das. O ado­les­cen­te con­ta a his­tó­ria de suas iden­ti­fi­cações e das con­dições de seu con­tex­to emo­cio­nal e social de várias for­mas; uma delas por meio dos recur­sos psí­qui­cos que dis­põe para lançar mão na tra­ves­sia do mun­do infan­til para o mun­do adul­to.

Esse con­tex­to inter­sub­je­ti­vo é de suma impor­tân­cia, uma vez que, des­de a infân­cia, o tema do des­am­pa­ro se faz pre­sen­te na vida do ser humano. Tra­ta-se de um des­am­pa­ro estru­tu­ral, impe­rio­so dian­te da inevi­tá­vel cons­ta­tação da não sobre­vi­vên­cia sem o encon­tro com outro humano. Sem dúvi­da, as pos­si­bi­li­da­des de meta­bo­li­zação e con­te­nção de expe­riên­cias no deco­rrer da vida e suas res­pec­ti­vas car­gas de inves­ti­men­to psí­qui­co abar­cam a pre­mis­sa de que tenha oco­rri­do uma con­dição de ligação psí­qui­ca nos pri­mei­ros tem­pos da vida do sujei­to. Sen­do assim, pode-se afir­mar que as deman­das da cria­nça, oriun­das de seu des­am­pa­ro ineren­te, encon­tra­ram no outro des­te encon­tro pri­mor­dial con­dições de serem supri­das e cui­da­das. Den­tre tan­tas atua­li­zações e repe­tições que a ado­les­cên­cia pro­mo­ve, tam­bém está a reedição de uma con­dição de des­am­pa­ro. Não é a repe­tição de um esta­do ante­rior idên­ti­co, mas sim de uma pos­sí­vel defa­sa­gem entre as deman­das e as con­dições de pro­ces­sá-las. Por isso, se pode asso­ciar o tem­po da ado­les­cên­cia a um tem­po de exigên­cia de inten­so tra­balho psí­qui­co. Não se tra­ta ape­nas de ela­bo­ração de lutos, reedição da con­fli­ti­va edí­pi­ca, ou da exigên­cia de res­sig­ni­fi­car a si mes­mo; tra­ta-se, sobre­tu­do, da exigên­cia de situar-se ati­va­men­te como sujei­to fren­te a seus con­fli­tos e suas deman­das intrap­sí­qui­cas. A ado­les­cên­cia alu­de a uma inques­tio­ná­vel pres­são e ten­são oriun­da de novos pro­ces­sos iden­ti­fi­ca­tó­rios impor­tan­tes para que se pos­sa esta­be­le­cer uma nova moda­li­da­de de inse­rção como sujei­to no cená­rio inter­sub­je­ti­vo. Na repe­tição de suas con­fli­ti­vas, o ado­les­cen­te é exi­gi­do no sen­ti­do de meta­bo­li­zar e pro­ces­sar o já expe­ren­cia­do e dar for­ma àqui­lo que se apre­sen­ta na ampli­tu­de de seu cam­po exogâ­mi­co.

A cons­ta­tação de Ler­ner (2006), a res­pei­to do nau­frá­gio de um mode­lo ado­les­cen­te de não mui­to tem­po atrás, no qual este acre­di­ta­va ser essen­cial estar imer­so numa cul­tu­ra de bus­ca de sua iden­ti­da­de e acre­di­tan­do que devia encon­trar sua vocação de uma vez e para sem­pre, resul­tou no fato de os ado­les­cen­tes da con­tem­po­ra­nei­da­de terem de apren­der novas for­mas de nave­gar, assim como de con­vi­ver com a ideia de que o encon­tro com sua vocação vai ser mui­tas vezes tran­si­tó­rio. No uni­ver­so do ado­les­cen­te, antes nave­gar era che­gar a um por­to segu­ro, porém, na con­tem­po­ra­nei­da­de, a nave­gação é em si mes­mo, pois não há pro­mes­sa algu­ma de alca­nçar um por­to segu­ro e abri­ga­do. Isso por­que se con­si­de­ra a con­dição de des­am­pa­ro não só de recur­sos inter­nos, mas tam­bém na evi­dên­cia de lacu­nas dei­xa­das pelas relações com as figu­ras paren­tais, que antes repre­sen­ta­vam esse por­to segu­ro e, no cená­rio con­tem­po­râ­neo, con­fi­gu­ram-se, mui­tas vezes, como um terreno ins­tá­vel.

Cons­ta­ta-se a impor­tan­te tare­fa que o ado­les­cen­te tem dian­te de si: res­pon­der aos inte­rro­gan­tes sobre si mes­mo, os quais envol­vem pro­fun­das res­sig­ni­fi­cações psí­qui­cas e lhe exi­gem a capa­ci­da­de de refle­tir sobre suas con­dições como sujei­to psí­qui­co. Tare­fa esta asso­cia­da a des­afios que se inten­si­fi­cam quan­do a bus­ca se dá na fra­gi­li­da­de das con­dições de reconhe­ci­men­to do si mes­mo e do outro. Nes­se lugar de des­am­pa­ro, com quem pode o ado­les­cen­te con­tar? Reto­man­do a ideia de por­to segu­ro, pro­pos­ta por Ler­ner (2006), e par­tin­do das con­si­de­rações fei­tas, che­ga-se, assim, à refle­xão sobre o papel das funções paren­tais na cons­trução sub­je­ti­va do ado­les­cen­te. Ten­do as figu­ras paren­tais uma influên­cia ímpar no pro­ces­so de cons­trução da sub­je­ti­vi­da­de de seus filhos, as moda­li­da­des de inves­ti­men­tos que habi­tam esse espaço inter­sub­je­ti­vo não podem ser excluí­das de uma refle­xão a res­pei­to da ado­les­cên­cia. Logo, é fun­da­men­tal uma maior com­preen­são sobre as funções paren­tais nos tem­pos de hoje.

Funções paren­tais em uma ilus­tração clí­ni­ca

As deman­das pul­sio­nais pró­prias da ado­les­cên­cia reati­vam a expe­riên­cia edí­pi­ca como uma segun­da chan­ce de pro­ces­sar psi­qui­ca­men­te ele­men­tos oriun­dos des­sa con­fli­ti­va, em espe­cial os refe­ren­tes a ques­tões de iden­ti­da­de e às moda­li­da­des de inves­ti­men­tos do sujei­to na relação com o outro. Con­si­de­ran­do a impor­tân­cia das relações que o ado­les­cen­te foi esta­be­le­cen­do, não só com seus pais, mas tam­bém nos outros âmbi­tos da sua vida, deve-se pon­de­rar sobre as influên­cias des­ses encon­tros e do con­tex­to social em que vive.

Pedro é um ado­les­cen­te de 16 anos que che­gou para aten­di­men­to por inter­mé­dio da mãe que o con­si­de­ra­va mui­to vio­len­to, além de apre­sen­tar bai­xo ren­di­men­to esco­lar. Duran­te o perío­do de ava­liação psi­co­ló­gi­ca, Pedro falou sobre sua difí­cil relação com a mãe e com a irmã, reve­lan­do uma situação na qual pen­sou em matar a irmã e outras nas quais evi­den­ciou ideação sui­ci­da.

Ao con­tar sua his­tó­ria, o jovem reve­la uma vida mar­ca­da pela des­or­ga­ni­zação e ins­ta­bi­li­da­de das figu­ras paren­tais. Seus pais se sepa­ra­ram e pas­sa­ram a morar em cida­des dife­ren­tes quan­do ele tinha sete anos. O ado­les­cen­te sen­tia mui­ta sau­da­de do pai e recla­ma­va bas­tan­te sobre isso com sua mãe. Depois de um ano, Pedro vol­tou a morar na cida­de pater­na, jun­to com a irmã e a mãe. A mãe diz que dei­xou o filho, então com 8 anos de ida­de, deci­dir se que­ria ou não morar com ela. Após dois anos, a mãe muda-se nova­men­te para uma cida­de dis­tan­te, dei­xan­do o menino com o pai, com a madras­ta e com o irmão des­se novo rela­cio­na­men­to paterno. Porém, ao saber de uma nova gra­vi­dez da segun­da espo­sa, o pai do menino con­si­de­rou que não pode­ria mais ficar com o filho ale­gan­do difi­cul­da­des finan­cei­ras. Pedro vol­ta a morar com a mãe e segun­do ela, a par­tir des­te fato o filho nun­ca mais foi o mes­mo, se man­ten­do cada vez mais iso­la­do e tris­tonho.

Des­de pequeno, Pedro era con­si­de­ra­do um garo­to com pro­ble­mas, evi­den­cian­do traços depres­si­vos. Luí­sa, a irmã, sem­pre foi vis­ta como mais autô­no­ma, dinâ­mi­ca e moti­va­da para alca­nçar seus obje­ti­vos. Des­de a infân­cia, Pedro não tem um espaço pró­prio, não sen­do valo­ri­za­do fren­te aos pais e à famí­lia e expe­ren­cia uma com­pa­ração con­tí­nua que o colo­ca aquém da irmã. Pode-se con­si­de­rar que des­te con­tex­to fami­liar lhe é ofe­re­ci­da uma ima­gem fra­gi­li­za­da e debi­li­ta­da de si mes­mo. A for­ma de Pedro des­cre­ver a si mes­mo con­fir­ma esta hipó­te­se:

Eu não pres­to para nada, não sei por que meus pais qui­se­ram me ter. Eu fica­va lá no quar­to cho­ran­do que nem um doi­do, que­ria me matar, fica­va em bai­xo do tra­ves­sei­ro, pen­san­do: Eu nem deve­ria ter nas­ci­do, eu não sir­vo pra nada.

Sua­bai­xa auto­es­ti­ma denun­cia a pre­ca­rie­da­de de inves­ti­men­tos rece­bi­dos, demons­tra um exer­cí­cio paren­tal pre­cá­rio e falho em sua função de tomar o outro como obje­to de inves­ti­men­to amo­ro­so e de con­ter as angús­tias do filho.

A fala da mãe sobre Pedro refo­rça estes atri­bu­tos:

Ele sem­pre teve pro­ble­mas na esco­la. A pri­mei­ra série tam­bém foi um ano difí­cil, pra­ti­ca­men­te o dei­xa­ram pas­sar para ver se ele con­se­gui­ria melho­rar. Ele foi assim a vida intei­ra, puxa­do pelo outro, sem­pre ia mui­to mal na esco­la. A irmã é bem dife­ren­te dele.

Des­de o nas­ci­men­to, o sujei­to é atra­ves­sa­do pelos enun­cia­dos iden­ti­fi­ca­tó­rios ofe­re­ci­dos pelos pais, que vão com­pon­do a noção do si mes­mo e do mun­do em que vive. Per­ce­be-se que con­ce­ber um filho, ocu­par uma função de outro que o inves­te amo­ro­sa­men­te é fun­da­men­tal no pro­ces­so de cons­ti­tuição psí­qui­ca da cria­nça, o que fica evi­den­te no envol­vi­men­to com deman­das de sua edu­cação e na for­mação de sua iden­ti­da­de. Logo, o exer­cí­cio de funções paren­tais é um cons­tan­te exer­cí­cio de inves­ti­men­to e de cui­da­do sob a moda­li­da­de de um com­pro­mis­so amplo e irre­vo­gá­vel, um com­pro­mis­so que pare­ce situar-se na con­tra­mão da moda­li­da­de con­tem­po­râ­nea na qual pre­do­mi­na a flui­dez e fra­gi­li­da­de dos víncu­los.

Mui­tos pais mos­tram indis­po­ni­bi­li­da­de de cui­da­do no sen­ti­do da não aber­tu­ra de espaços em suas vidas fren­te às deman­das de seus filhos (Kehl, 2001). Pedro fala da relação frá­gil que tem com seus pais, na qual eles pare­cem cen­tra­dos em si, ten­do difi­cul­da­des para abrir um espaço psí­qui­co que acolha as deman­das pró­prias des­sa função. Sobre o pai, fica mar­ca­da a impos­si­bi­li­da­de de acolhi­men­to das neces­si­da­des do filho o que gera uma reação inten­sa no ado­les­cen­te, con­fir­man­do no exces­so de seus atos aqui­lo que espe­ram dele: o fra­cas­so e a des­or­ga­ni­zação.

As vivên­cias de des­pro­teção dos indi­ví­duos fren­te a situações de vio­lên­cia e inse­gu­ra­nça social têm seu refle­xo no âmbi­to fami­liar no qual se per­de­ram a coesão e a comu­ni­cação entre seus mem­bros. A fala de Pedro evi­den­cia um ambien­te fami­liar com a força da auto­ri­da­de paren­tal inexis­ten­te ou enfra­que­ci­da, além de uma gran­de ins­ta­bi­li­da­de em relação à expe­riên­cia dos laços afe­ti­vos:

O meu pai me bate até hoje. Só que ele me bate com vas­sou­ra. (…) Teve uma vez, eu esta­va com uma rou­pa, aí meu pai che­gou no quar­to e me viu com essa rou­pa e falou: “Não, tira essa rou­pa que essa cami­sa está fura­da aqui na gola.”. Eu falei assim: Não, pai, está bom assim, dá pra usar ain­da. – “Não filho, você não vai sair com essa rou­pa.”. (…) Eu achei que ele tinha para­do, só que ele tinha ido pegar a vas­sou­ra. Aí ele che­gou e deu uma vas­sou­ra­da nas minhas cos­tas. Que­brou assim: Puf! a vas­sou­ra. (…) Achei que ia doer, mas acho que nem doeu como eu achei.

A dor físi­ca, fren­te à dor psí­qui­ca de Pedro, per­de em inten­si­da­de. As for­mas de comu­ni­cação fami­liar ficam mui­tas vezes pau­ta­das no mode­lo de diri­gir ao outro a agres­si­vi­da­de em for­ma de ato. Pedro segue esse mode­lo como uma das vias mais conhe­ci­das de expres­são, pois fren­te ao des­am­pa­ro pen­sa em matar ou matar-se.

Bir­man (2006) enten­de que os inves­ti­men­tos de cui­da­do no âmbi­to fami­liar foram bas­tan­te afe­ta­dos nos tem­pos atuais, mar­can­do uma pre­ca­rie­da­de de inves­ti­men­tos nas cria­nças e nos ado­les­cen­tes e, por isso, inci­din­do dire­ta­men­te sobre as novas for­mas de sub­je­ti­vação. A ilus­tração clí­ni­ca denun­cia os efei­tos de expe­ren­ciar encon­tros com figu­ras paren­tais que se apre­sen­tam de for­ma pre­cá­ria e falha.

A ado­les­cên­cia de Pedro é mar­ca­da por situações nas quais o jovem fica mar­gi­na­li­za­do seja no ambien­te fami­liar, seja no ambien­te esco­lar, o que difi­cul­ta sig­ni­fi­ca­ti­va­men­te o esta­be­le­ci­men­to de relações con­sis­ten­tes e satis­fa­tó­rias no âmbi­to exogâ­mi­co. Para que as expe­riên­cias pró­prias da ado­les­cên­cia tais como as des­co­ber­tas sexuais, o esta­be­le­ci­men­to de pla­nos para o futu­ro, a inse­rção sau­dá­vel em um gru­po de iguais e o dis­tan­cia­men­to das figu­ras paren­tais pos­sam oco­rrer sem que sejam exi­gi­dos maio­res esfo­rços do ado­les­cen­te é neces­sá­rio que con­te com uma baga­gem que lhe per­mi­ta dis­tan­ciar-se e retor­nar sem­pre que pre­ci­so.

O caso de Pedro ilus­tra exata­men­te a impos­si­bi­li­da­de de se esta­be­le­cer uma relação de con­fia­nça e de cui­da­do para que, depois, o mun­do exogâ­mi­co pos­sa ser o mun­do da expe­ri­men­tação sem ris­cos des­ne­ces­sá­rios ao si mes­mo. Ao ser cui­da­do, o ado­les­cen­te adqui­re a con­dição de, pos­te­rior­men­te, cui­dar-se. Cabe con­si­de­rar, em relação ao exer­cí­cio das funções paren­tais na con­tem­po­ra­nei­da­de, o quan­to o dis­cur­so de frag­men­tação e de abo­lição de toda con­dição de assi­me­tria em nome de uma pre­ten­sa liber­da­de, ser­ve ao pro­pó­si­to de não cui­dar, de não reconhe­cer a par­ce­la de res­pon­sa­bi­li­da­de ineren­te a essas funções.

Para que se pos­sa pro­mo­ver algu­ma muda­nça nes­te cená­rio que com­pro­me­te sig­ni­fi­ca­ti­va­men­te as espe­ra­nças no futu­ro, é urgen­te uma refle­xão que abar­que os mode­los iden­ti­fi­ca­tó­rios que são ofe­re­ci­dos aos jovens na con­tem­po­ra­nei­da­de. Quan­do as funções paren­tais são exer­ci­das em um mode­lo de socie­da­de como se elas não apor­tas­sem dife­re­nças à vida de seus filhos, é inques­tio­ná­vel a legi­ti­mi­da­de da preo­cu­pação com os efei­tos des­te des­cui­do nos espaços de alte­ri­da­de. Como pen­sar a cons­trução de valo­res morais, a fra­ter­ni­da­de, os mode­los de escolhas amo­ro­sas, os ideais sociais e polí­ti­cos, sem que isso reme­ta ao con­ví­vio e con­ta­to entre os sujei­tos?

Considerações Finais

Na vigên­cia de tem­pos nos quais o efê­me­ro, a frag­men­tação e a frá­gil ou ausen­te demar­cação de espaços impõem seus efei­tos no pro­ces­so de cons­ti­tuição psí­qui­ca e na pro­dução de sub­je­ti­vi­da­des, cabem ques­tio­na­men­tos sobre a relação exis­ten­te entre ado­les­cên­cia e o exer­cí­cio con­tem­po­râ­neo das funções paren­tais. Como bem des­ta­ca Bleich­mar (2005), na atua­li­da­de cons­ta­ta-se uma mutação social e cul­tu­ral que dei­xou os seres pen­san­tes numa situação de des­con­cer­to.

Na ado­les­cên­cia, pode-se encon­trar no ampa­ro e no cui­da­do rece­bi­do via exer­cí­cio das funções paren­tais uma vivên­cia fun­da­men­tal para que depois, em um segun­do tem­po, o jovem pos­sa expe­ri­men­tar-se em novos inves­ti­men­tos e con­dições. Pedro ilus­tra com sua his­tó­ria os efei­tos noci­vos de vivên­cias de des­am­pa­ro e des­cui­do paren­tal. Esses efei­tos vêm à tona na ado­les­cên­cia, momen­to no qual o jovem deve enfren­tar sig­ni­fi­ca­ti­vas deman­das psí­qui­cas, físi­cas e sociais.

Fren­te ao inten­so cená­rio con­tem­po­râ­neo de auto­cen­tra­men­to e per­for­man­ce, é neces­sá­rio refle­tir sobre a neces­si­da­de huma­na de expe­ren­ciar a vivên­cia de ter sido toma­do como obje­to amo­ro­so por um outro. Tal situação con­ti­nua sen­do essen­cial à pro­dução de sua con­dição huma­na, sen­do um exer­cí­cio resul­tan­te da capa­ci­da­de de amar e de cui­dar que não pode ser menos­pre­za­do. A maior liber­da­de que a ado­les­cên­cia pos­si­bi­li­ta ao ser humano não des­faz a neces­si­da­de de que o jovem pos­sa con­tar com o exer­cí­cio das funções paren­tais no regis­tro do cui­da­do e da neces­sá­ria assi­me­tria que via­bi­li­za a pro­teção. Des­te intrin­ca­do jogo de ir e vir em sua his­tó­ria de vida, das osci­lações de desejo entre que­rer cres­cer e que­rer se man­ter cria­nça, resul­tam os recur­sos para que um jovem cons­trua, no tem­po pre­sen­te, uma reser­va de capi­tal pul­sio­nal que lhe per­mi­ta inves­tir em um tem­po futu­ro, a par­tir de um exis­tir éti­co e autô­no­mo.

Referências

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Birman, J. (2006). Tatuando o desamparo: A juventude na atualidade. In M. R. Cardoso. Adolescentes. São Paulo: Escuta.

Bleichmar, S. (2005). Subjetividad en riesgo. Buenos Aires: Topía Editorial.

Cahn, R. (1999). O adolescente na psicanálise: A aventura da subjetivação. Rio de Janeiro: Companhia de Freud.

Debord, G. (1997). A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto.

Dockhorn, C. e Macedo, M. (2008). A complexidade dos tempos atuais: reflexões psicanalíticas. Revista Argumento Psicologia, 54(26), pp. 217-224.

Hornstein, L. (2008). As depressões: afetos e humores do viver. São Paulo: Via Lettera: Centro de Estudos Psicanalíticos.

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Rother Hornstein, M. C. (2006). Entre desencantos, apremios e ilusiones: barajar y dar de nuevo. In M. C. Rother Hornstein. Adolescencias: trayectorias turbulentas. Buenos Aires: Paidós.

Notas

1. Psi­có­lo­ga, Psi­ca­na­lis­ta, Mes­tre em Psi­co­lo­gia Clí­ni­ca (PUCRS/CNPq). Mem­bro Asso­cia­do da Sig­mund Freud Asso­ciação Psi­ca­na­lí­ti­ca – Por­to Alegre/RS – Bra­sil. Correo‑e: roberta.monteiro@live.com

2. Psi­có­lo­ga, Psi­ca­na­lis­ta, Dou­to­ra em Psi­co­lo­gia (PUCRS). Pro­fes­so­ra Adjun­ta da Pon­ti­fí­cia Uni­ver­si­da­de Cató­li­ca do Rio Gran­de do Sul – Por­to Alegre/RS – Bra­sil. Correo‑e: monicakm@pucrs.br

3. Gra­duan­do em Psi­co­lo­gia, Bol­sis­ta de Ini­ciação Cien­tí­fi­ca (BPA/PUCRS). Pon­ti­fí­cia Uni­ver­si­da­de Cató­li­ca do Rio Gran­de do Sul – Por­to Alegre/RS – Bra­sil. Correo‑e: gomes.thomas@gmail.com