A dieta definitiva de Beck na clínica psicoterápica com obesos
Cynthia de Freitas Melo Lins1
Resumo
A “Dieta definitiva de Beck”, criada pela Dra Judith Beck, no livro “Pense magro: a dieta definitiva de Beck”, propõe o aprendizado de técnicas cognitivas e comportamentais para dietas com durabilidade. Objetivou-se avaliar a eficiência da proposta, através de estudo de caso longitudinal, em pesquisa-clínica, com paciente em processo psicoterapêutico por 1,5 anos e IMC 47,01 (obesidade mórbida). Entre os resultados, observou-se a aplicabilidade da dieta Beck na clínica psicoterapêutica. Após o trabalho psicoterapêutico tendo como sobre problemas pessoais que atrapalharam outros regimes da participante, iniciou-se o trabalho sobre a dieta, adaptando a proposta, de modo que cada mudança fosse mais pausada, ao invés de diária, fosse semanal. Deste modo, as 6 semanas propostas, tornaram-se 42 semanas; e sem nenhum apoio de medicação, a participante perdeu 27kg, mantendo-se após 1 ano. Concluindo-se a adaptação da dieta, salvo algumas alterações para a realidade clínica.
Palabras-chave: Obesidade. Beck. Estudo de caso.
Resumen
La “solución de la dieta de Beck”, creado por el Dr. Judith Beck, en su libro “Piense delgado: la solución de la dieta de Beck”, propone el aprendizaje de técnicas cognitivas y conductuales para las dietas con una mayor durabilidad. El trabajo tuvo como objetivo evaluar la eficacia de la propuesta a través del estudio de casos longitudinales en la investigación clínica con el paciente en un proceso psicoterapéutico por 1.5 años y con un IMC 47,01 (obesidad mórbida). Los resultados mostraron la aplicabilidad de la dieta de Beck en la práctica psicoterapéutica. Después de trabajar en el proceso psicoterapéutico con los problemas personales que dificultaban otros esquemas de la participante, se comenzó a trabajar en la dieta, en la adaptación de la propuesta, por lo que cada cambio era más pausado, en lugar de cada día, era semanalmente. Por lo tanto, las propuestas de 6 semanas se convirtieron en 42 semanas de y sin apoyo de la medicación, al final del cual la participante había perdido 27 kg, manteniéndose después de 1 año.
Palabras clave: Obesidad. Beck. Estudio de caso.
Introdução
Guiados por um ideal de magreza, ou em busca de uma vida saudável, todos gostariam de uma fórmula mágica para emagrecer, ou uma dieta revolucionária, por ser prática, rápida e eficaz.
Estética à parte, a obesidade torna-se um sério problema de saúde pública mundial (Kuskowska-Wolk & Bergstrom, 1993). Estima-se, por exemplo, que no Brasil, a obesidade acomete cerca de 40% da população adulta; ocasionando morte precoce em 50.000 à 100.000 pessoas por ano (Ballone, 2005).
Uma doença silenciosa, que passa desapercebida pela maioria da população (Madeni, 2011) e que carrega estereótipos sobre esses sujeitos, vistos como mal educados, preguiçosos e culpados por sua condição. Reforça-se, todavia, que a obesidade é hoje considerada um distúrbio nutricional e metabólico caracterizado pelo aumento da massa adiposa do organismo, que se reflete no aumento do peso corpóreo (Cole, 2000).
Ainda que o elevado peso corporal seja resultado do desequilíbrio entre oferta e demanda energética, a sua determinação tem-se revelado complexa e variável em diversos aspectos, como fatores demográficos, socioeconômicos, genéticos, psicológicos, ambientais e individuais. Também não há como negar que os hábitos alimentares e a exposição aos mais calóricos pratos tem sua generosa contribuição (Alves, Silva, & Ribeiro, 2000; Fisberg, 1993).
Verifica-se hoje uma riqueza calórica e pobreza nutricional nos cardápios de cada região brasileira, não seguindo as recomendações propostas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Guia Alimentar Brasileiro (GAB). Observa-se, pois, que 95% das pessoas tornam-se obesas, de modo normal, sob duas circunstâncias: ou por comer exageradamente, mais do que precisa; e/ou porque gasta poucas calorias. Cabendo a apenas 5% dos obesos a forma patológica, que se torna obeso por ter mais facilidade de produzir gordura e que “queimam” gorduras com menor facilidade (IBGE, 2009).
Como consequência desse cardápio mal estruturado, da má educação alimentar e ditadura da magreza estética, surgem mirabolantes receitas e dicas de dietas em grande quantidade: 28.800.000 propostas em buscadores da internet. A destacar, dieta da lua, do sorvete, da banana, da clara de ovo, do vinagre, da bíblia, do alfabeto (Almeida, 2010).
No combate a esses “milagres falsários”, diversos pesquisadores tem se dedicado a desenvolver, testar e expandir dietas que sejam de fato, eficaz e resolutiva. Dentre essas, a destacar, a dieta proposta pela prof(a) Dr(a) Judith Beck no livro “Pense Magro – a dieta definitiva de Beck”. Um programa de treinamento psicológico, que propõe mudanças diárias de pensamento e comportamento durante seis semanas, sem nenhuma receita alimentar (Beck, 2008).
Um livro direcionado para o público em geral, mas que também pode ser utilizado por profissionais de saúde, que oferece uma proposta de abordagem para pacientes com obesidade emagrecerem de forma saudável, adequada e poderem manter essa perda de peso – razão pela qual qualifica a abordagem como “definitiva”.
Ao invés de spa e dietas malucas, a autora propõe-se algo simples: pensar. Pensar magro significa, basicamente, reprogramar seu cérebro para que ele passe a dominar a fome ou a simples gulodice até o ponto em que se possa ignorar uma fatia de torta. Reprogramar o cérebro não implica tomar choques elétricos ou aderir às técnicas transcendentais. Requer enfrentar frituras, salgadinhos, doces e refrigerantes sem desculpas e auto enganações. A resistência mental definitiva é o que prega a Terapia Cognitivo Comportamental (TCC), hoje considerada o tratamento de primeira linha contra o excesso de peso. Como afirmou Beck em entrevista à Revista Veja, “Quanto mais resistirmos aos desejos de comida, menos frequentes eles se tornarão” (Buchalla, 2008). E mais que isso, é preciso compreender que a grande ansiedade não estar em resistir à fatia de pizza, mas apenas até o decidir não comê-la (Beck, 2008).
Pensar magro demanda empenho e disciplina. Envolve cultivar melhor as emoções e adquirir novos comportamentos. A perda de peso não é da noite para o dia. Em situações mais difíceis, para prevenir as recaídas, seguir o manual não é suficiente. Torna-se necessário recorrer a nutricionistas e psicólogos. Uma proposta de dieta ousada, com respaldo científico na Psicologia Cognitivo-Comportamental.
Sobre o embasamento teórico da Teoria Cognitiva-Comportamental (TCC) baseia-se no pressuposto racional teórico de que o afeto e o comportamento do indivíduo são amplamente determinados pela maneira como ele estrutura o mundo. Suas cognições (eventos) estão baseadas em atividades ou suposições (esquemas) desenvolvidas a partir de experiências anteriores, nesse jogo de interações sociais (Beck, 1982).
Explanando resumidamente a proposta do livro de Beck (2008), e as técnicas que devem ser aprendidas para que haja sucesso no programa.
Na introdução, Beck (2008) apresenta ao leitor a proposta de uma jornada em conjunto, com o objetivo de possibilitar ao indivíduo reconhecer seu padrão alimentar, suas distorções cognitivas relacionadas à perda de peso e ao seu corpo e como o modelo de reestruturação da terapia cognitiva poderá ajudá-lo a emagrecer e se manter magro.
O primeiro segmento, “O poder da terapia cognitiva”, divide-se em quatro capítulos: 1) “A chave do sucesso”, onde o leitor aprende a assumir que ele possui “pensamentos sabotadores” (pensamentos disfuncionais) em sua alimentação e em suas tentativas de dietas, abolindo a trapaça; 2) “O que, na verdade, faz você comer”, onde são abordados os conceitos e exemplos do que são pensamentos automáticos disfuncionais, que neste livro são denominados “pensamentos sabotadores”, e que o ato de comer não é um comportamento automático, mas decorrente de estímulos ambientais, biológicos, mentais, estímulos emocionais e estímulos sociais; 3) “Como as pessoas magras pensam”, discorre sobre como pessoas magras conseguem distinguir entre fome e vontade de comer e como conseguem se programar e limitar sua alimentação de forma organizada e saudável; 4) “Como utilizar a dieta definitiva de Beck”, o programa de 6 semanas é descrito de uma forma geral. Destacando ainda que, para a utilização da dieta definitiva de Beck, não importa se você quer emagrecer 2,5 quilos ou 45 quilos, ou apenas manter seu peso atual. Não importa se você á homem ou mulher, idoso ou jovem. Ou se está na sua primeira ou décima dieta ou se você tem o hábito de começar dietas e abandona-las. A única necessidade inicial é que o paciente escolha uma dieta saudável, nutritiva (aprovada por um nutricionista) e que não a inicie até que esteja psicologicamente preparado, apenas na 3ª semana do 2° segmento.
Após esse segmento mais psicoeducativo sobre obesidade e sobre como o modelo cognitivo, no segundo segmento do livro, “O programa”, a autora apresenta de forma detalhada o programa de seis semanas, explanando as propostas e objetivos para cada dia das seis semanas: 1) Prepare-se: aprenda os fundamentos; 2) Organize-se: prepare-se para fazer a dieta; 3) Vá em frente, comece a dieta; 4) Reaja aos pensamentos sabotadores; 5) Supere desafios; e 6) Aprimore novas habilidades.
Por fim, no terceiro e último segmento, “A continuidade”, é dedicado a ensinar estratégias cognitivas e comportamentais de manutenção, sendo composto por dois capítulos: “1. Quando parar de emagrecer” e “2. Como manter seu novo peso”, que retratam a mudança definitiva do paciente, através da conscientização de suas crenças disfuncionais, do aprendizado de novas habilidades e da manutenção da dieta de forma definitiva.
Deste modo, o livro propõe uma dieta, sem milagres, que defende mudanças cognitivas e comportamentais que são fundamentais para a criação de uma dieta, desta vez, definitiva,
Objetivos
O presente trabalho objetivou avaliar a aplicabilidade da dieta definitiva de Beck na psicoterapia com pacientes obesos. Para chegar a esse fim, buscaram-se os seguintes objetivos específicos:
- Apresentar uma proposta de adaptação da dieta de Beck à psicoterapia com obesos;
- Verificar os resultados alcançados e impressões do paciente e psicoterapeuta sobre a dieta.
Método
Realizou-se uma pesquisa de estudo de caso, onde o pesquisador acompanhou a participante de forma longitudinal continua na clínica psicoterapêutica.
Contou-se com a colaboração de uma participante, com 24 anos, católica, bacharel em direito, que residia com irmã e avó materna; e com obesidade mórbida (120,350 Kg, com 1,60m e IMC 47,01).
Para realização do presente estudo, a participante foi acompanhada em processo psicoterapêutico por 1,5 anos, em 70 sessões de 45 minutos, dividido em duas partes: seis meses de psicoterapia sobre problemas pessoais (24 sessões) e um ano em dieta (46 sessões).
Na primeira parte desse processo, foi utilizado o Inventário de Depressão de Beck (BDI) para avaliação do humor da participante. Em seguida, seus problemas pessoais (não adaptação à perda dos pais, depressão leve, falta de assertividade), que geravam ansiedade e atrapalhava as dietas anteriores, foram trabalhados através da Terapia Cognitiva Comportamental (Exercício do espelho, para verificação da autoimagem da participante, seus aspectos positivos, negativos e eu ideal a ser trabalhado; Registro de pensamento, para detecção das crenças disfuncionais e sua racionalização; Registro de comportamento, para aprendizado de comportamento assertivo).
Na segunda parte desse processo, foram utilizadas todas as técnicas propostas pela dieta definitiva de Beck, tanto no eixo cognitivo (técnica das sete perguntas, cartão de vantagens e desvantagens), como também técnicas comportamentais (pesagem, mudanças no ambiente, nos momentos de refeição). Sendo incluído ainda o exercício de respiração diafragmática, relaxamento muscular de Jacobson e gráfico de diagrama de dispersão de pesagem. Destaca-se ainda que durante todo esse processo, a psicóloga pesquisadora contou com os registros de evolução da participante no seu prontuário da clinica psicoterapêutica.
Por fim, utilizou-se, ao final do trabalho, um roteiro de entrevista aberto, contendo oito perguntas.
Ao final do processo, o prontuário das duas fases da psicoterapia da participante foi analisado cuidadosamente; e para análise da entrevista final foi utilizada a analise de conteúdo de Bardin (1977).
Considerando-se os aspectos éticos referentes a pesquisas envolvendo seres humanos. Para a utilização dos dados da psicoterapia para o estudo e antes da entrevista final, a participante da pesquisa foi informada previamente a respeito dos objetivos e procedimentos da pesquisa, assim como do seu anonimato e da confidencialidade de suas respostas. Foi solicitado a participante que lesse o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, cujo modelo foi elaborado de acordo com a “Resolução no 196/96 Sobre Pesquisa Envolvendo Seres Humanos” (Brasil: Ministério da Saúde, Conselho Nacional de Saúde, 1996). Este documento explicitava a solicitação para participação no estudo, por via escrita, informando ainda, que este consentimento garantia ao participante o direito de interromper sua colaboração na pesquisa a qualquer momento, caso julgasse necessário, sem que isso implicasse em constrangimento ou prejuízo de qualquer ordem.
Resultados
No início do processo psicoterapêutico, foi realizado o exercício do espelho do “eu ideal” com a participante, para verificar a autoimagem, com seus aspetos positivos, negativos e eu ideal. Como resultado deste exercício, observou-se que, dentre os aspetos positivos encontrava-se o ser “boa ouvinte”, prestativa, poder de liderança, comprometimento com os resultados profissionais, obediente aos pais. Dentre os pontos negativos, destacou-se o “falar demais”, a preocupação excessiva em não magoar os outros, o “ser gorda” e “ser chorona”. Retirando-se, ao final do trabalho, o seu “eu ideal”, que consistia em ser “resolvida emocionalmente”, mais assertiva, “menos gorda”, menos ansiosa, agir com menos medo de magoar os outros, saber lidar com perda dos pais e ter melhor autoimagem.
Após apurados os focos a serem trabalhados em psicoterapia, foi aplicado o Inventário de Depressão de Beck (BDI), que obteve 12 pontos, “depressão leve”. Assim, após analisado o estado de humor da participante, e suas necessidades psicoterapêuticas, pode-se dar inicio ao processo, que se dividiu em dois momentos: trabalho sobre problemas pessoais e dieta.
A primeira fase da psicoterapia:
Reconhece-se que a existência de problemas e conflitos pessoais não resolvidos poderiam interferir negativamente na dieta, tomou-se como necessidade mais urgente da paciente o trabalho sobre seus problemas pessoais: a perda dos pais e a relação com seus avós que a criaram.
Nesse momento, utilizaram-se vários exercícios de projeção de expectativas e de reflexão sobre as possibilidades, bem como de prós e contras, até iniciar o uso do registro de pensamentos disfuncionais. A paciente pode aprender a lidar com a perda dos pais, substituindo o sofrimento pela saudade; e deixou de ver sua infância como “coitadinha”, e passou a ver como “diferente”, porém normal.
Em seguida, através do registro de comportamento, questionamento socrático e lista de prós e contras, trabalhou-se a não assertividade da paciente em diferentes âmbitos da sua vida, pois este era um dos fatores que a deixava ansiosa e contribuía para sua ingestão alimentar.
Foram trabalhados ainda outros problemas de socialização, de relacionamento com a irmã, de relacionamentos amorosos, e de cunho profissional, até poder-se eliminar todas as necessidades de problemas que precisavam ser resolvidos com psicoterapia, que se prolongou por 6 meses.
A segunda fase da psicoterapia:
Neste momento, foi iniciada a psicoterapia para tratamento da obesidade, de acordo com a dieta definitiva de Beck (2008). Contempla-se que, antes mesmo de ser dado início à dieta, ensinou-se paciente o exercício de respiração diafragmática e o relaxamento muscular de Jacobson, para eliminação de possíveis sensações de ansiedade por privação alimentar.
Em seguida, deu-se início aos ensinamentos de Beck, um por um, seguindo a sequência do livro, com apenas uma modificação: cada “dia do livro” foi trabalhado uma vez por semana, ao invés de diariamente, de forma que os ensinamentos para mudanças não ocorriam diariamente, mas sim semanalmente, permitindo um maior período de introjeção das técnicas e adaptação à mudança de hábito.
Na primeira fase do livro já foi iniciada a conscientização e superação dos medos quanto a se pesar, para que tivesse maior controle sobre sua dieta, e consciência sobre seus erros e acertos da semana. E na segunda fase, de preparação para a dieta, iniciou-se a série de técnicas e atividades propostas por Beck (citadas anteriormente). Neste momento, a paciente não teve nenhuma dificuldade em mudar os hábitos propostos por Beck, e adaptar seu cotidiano, conseguindo percorrer, a passos curtos, porém firmes, todas as mudanças: registrar as vantagens de emagrecer, escolher dietas, sentar-se para comer, elogiar-se, alimentar-se devagar e conscientemente, escolher um técnico de dieta (além da pesquisadora/psicóloga), organizar o ambiente, arrumar tempo e energia, escolher plano de exercícios, estabelecer metas realistas, diferenciar fome, vontade e desejo incontrolável de comer, praticar a tolerância á fome, superar o desejo incontrolável por comida, planejar o dia de amanha, monitore sua alimentação, evite a alimentação não planejada, acabar com os excessos alimentares, modificar definição de saciedade, parar de se enganar, retornar quando sair do planejado, se pesar, dizer “Paciência” para a decepção, contrariar a síndrome da injustiça, saber lidar com o desânimo, identificar pensamentos sabotadores, reconhecer os erros cognitivos, a técnica das sete perguntas, resistir a quem insiste para você comer, manter o controle quando estiver comendo fora, decidir sobre bebidas alcoólicas, prepara-se para viajar, eliminar a alimentação emocional, resolver os problemas, prepare-se para se pesar, acredite em você, reduzir o estresse, aprender a lidar com o platô, enriquecer sua vida, fazer novas lista de tarefas, preparar-se para o futuro.
Contempla-se que neste momento, preparatório para a dieta, a paciente diminuiu seu peso de 120 Kg para 111,750 Kg. Ou seja, perdeu 8,250 Kg apenas com as mudanças de hábitos do preparatório da dieta, sem modificações no cardápio da alimentação.
Nesse período preparatório, a paciente procurou ainda uma nutricionista, que a ajudou a elaborar um cardápio personalizado, adaptado as suas necessidades e aos seus gostos e este foi facilmente seguido pela a paciente, sem reclamações, ou sérias saídas do planejamento.
No início da dieta em si, na terceira fase do livro, a paciente manteve o ritmo de mudanças de hábitos, porém, agora com a rotina semanal de se pesar, sem traumas. Destaca-se que esse procedimento, no início era difícil para a paciente, e aumentava sua ansiedade, por sempre achar que perdia pouco peso, e principalmente, por focar-se nos números grandes que apareciam: 117,750 kg, 109,600 kg. Mas aos poucos a paciente assumiu a indicação de Beck de ver não o peso atual, mas as perdas; por exemplo, ao invés de 110,100 kg, via menos 1 kg. E assim, o ato de se pesar passou a ser um hábito semanal, ainda desconfortável, é verdade, mas menos sofrido.
Destaca-se ainda que este hábito de se pesar foi fundamental nessa terceira fase para que a paciente saísse dos exercícios espontâneos (escada, descer parada anterior, ir caminhando aos lugares) para os exercícios leves (caminhada na praça). E deste para exercícios de maior queima de calorias (academia 3 vezes por semana, e depois todos os dias). Pois, através da balança, ela pode ver a diferença de perda de peso entre esses três tipos de exercícios, servindo-lhe como reforçador.
Deste modo, através do aprendizado de todas as técnicas comportamentais e cognitivas da dieta definitiva de Beck, respeitando o cotidiano normal da paciente, sem Spa, ou ilhas de beleza; e respeitando um tempo maior para a introjeção das mudanças, pode-se acompanhar uma perda de peso significativa da paciente, que diminuiu de 120,350 kg para 93,430 Kg (27 kg a menos). Isso sem nenhum tipo de isolamento, sem passar fome, sem medicações, sem cirurgias. Apenas com as técnicas aprendidas, que foram apropriadas de forma vitalícia, e permitirão uma dieta DEFINITIVA. Como prova disso, basta salientar que após 4 meses de alta do processo terapêutico, a paciente encontrava-se com 90,025 Kg. Ou seja, além de manter a perda de peso, ainda continua o processo de perda. E seu acompanhamento passou a ser mensal.
Isso significa que a paciente que tinha obesidade mórbida, com IMC igual a 47,01 (120,350/2.56) passou a ser “apenas” obesa, com IMC= 35,17 (90,025/2,56). Podendo-se observar Figura 1 a progressão da sua perda de peso.
Figura 1 – Acompanhamento do peso semanal da paciente
A entrevista:
Neste momento, investigou-se com a paciente suas impressões sobre o processo de dieta, suas experiências anteriores, a influência do emocional sobre a alimentação e, especialmente, sua avaliação sobre o programa da dieta definitiva de Beck.
Neste momento ela relembrou suas experiências negativas com dietas as anteriores:
Ah, era muito ruim. Sofrido. Eu fechava a boca, passava fome. Até perdia peso, mas após passar o objetivo do pelo qual fiz a dieta (formatura, casamento na família), eu sempre engordava novamente. E pior, ficava mais gorda do que estava antes de fazer dieta.
Ela lembra ainda do modo como seus problemas pessoais agiam sobre sua alimentação e como atrapalhavam suas tentativas de dieta, reforçando a importância da resolução de entraves e aprendizado do manuseio de problemas:
Atrapalhava muito. Como aprendi em terapia, o papel da comida hoje na sociedade é muito semelhante ao álcool. Tipo, o povo bebe para se divertir, para comemorar, mas também para esquecer, para afogar as mágoas. A mesma coisa para o gordinho, sociabiliza-se saindo para restaurantes, lanchonetes, e come uma caixa de chocolate ou uma panela de brigadeiro quando está com problema.
Quando questionada sobre a validade dos spas, medicação e cirurgia, a participante mostra que aprendeu os ensinamentos de Beck. E, além disso, entendeu que suas tentativas foram frustradas, não por causa dela, mas pela falta de métodos adequados. Descobriu que dietas milagrosas, como a do ovo, da banana, da lua, não possuem explicação científica e, portanto, não são as melhores alternativas para emagrecer:
Válido, mas não necessário. É como aprendi com você e com as pesquisas. Num Spa, eu ia perder peso, mas ali não é minha vida. Quando eu voltasse para casa, eu ia ganhar tudo novamente. Com a medicação é a mesma coisa.
Ela lembrou ainda que, se a dieta de Beck não é milagrosa, nem tudo são flores. Apesar, e justamente, por ser definitivo o programa também apresenta dificuldades, que mexem, diferenciadamente, com a limitação de cada um, pois toda mudança de hábito é difícil.
Ah, com certeza [o mais difícil foi] me pesar e fazer exercício. Nossa. Como eu já era bem traumatizada em me pesar, devidos minhas outras dietas, eu resisti muito à ideia de me pesar. Ficava muito ansiosa. Muito mesmo. Muito. E sempre achava que podia ter sido melhor. Mas aos poucos isso foi virando hábito. Já não enrolava, nem adiava a hora de pesar. Ainda ficava um mal estar, mas nada demais. Ah, e ir para academia. Isso também foi difícil no início. Adiei muito, mas depois passei a ir, e aumentei o ritmo. Até que estava indo todos os dias.
Neste momento, pode-se ainda observar os pontos positivos e negativos que a paciente percebeu na dieta de Beck.
Ah, ela não me isola do mundo para acontecer, eu não passei fome, não precisei de recursos externos (medicação, cirurgia), e o principal, ela é definitiva.
Demora mais. Mas é normal né?
Não faz milagre. É demorado. Mas tem que ser assim né?
Por fim, a participante deu sua opinião sobre a adaptação que a psicoterapeuta/pesquisadora fez em relação ao programa original, alterando suas técnicas diárias para semanais:
Ah, por um lado, seria rápido. Beeeem mais rápido. Mas olha, não sei se ia funcionar comigo. É muita mudança, muito hábito que precisa ser aprendido, pensamento que precisa mexer. Acho que comigo não funcionava mudar de vida todo dia não.
Discussão
O histórico da participante era marcado por várias tentativas mágicas para emagrecer, confirmando que essas não são as melhores alternativas para emagrecer (Almeida, 2010).
Aliado à escolha de soluções errôneas, reconheceu-se que a existência de problemas e conflitos pessoais não resolvidos, que interferem no estado de humor dos pacientes obesos, trazem consequências diretas sobre sua alimentação, e muito provavelmente, predizem o fracasso de uma tentativa de dieta (Beck, 2008). Observou-se, portanto, que o trabalho sobre seus problemas pessoais da participante foi decisivo.
Após o trabalho com a participante e sua perda de 27kg, mantida após meses de conclusão do processo, confirma-se que para perder os quilos a mais para sempre; ou deixar a obesidade e passar a ser saudável, a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) e a proposta da dieta definitiva de Beck são excelente opções (Beck, 2008; Buchalla, 2008).
Considerações finais
Através do presente estudo pode-se perceber como a má alimentação da participante contribui para a obesidade; realidade inerente às dietas das diferentes regiões da federação, que são calóricas e mal distribuídas nutricionalmente. Pode-se perceber também que o culto à magreza e a busca desesperada de dietas para perda de peso, conduziram a participante ao uso desenfreado de medicações, dietas malucas e cirurgias excessivas.
Aos poucos, entretanto, a participante descobriu que tudo que vai fácil, vem fácil (exceto dinheiro). A dieta de perda de peso radical, apesar de dar resultados rápidos, normalmente tem efeito “iô-iô”, ou seja, terminada a dieta, pode-se engordar tudo o que emagreceu, senão mais.
Como contraproposta, a dieta de Beck vem sem resultados mais rápidos. Pelo contrário, aqui se defende que não há milagres. O diferencial dessa dieta é justamente o que as dietas radicais/relâmpagos não oferecem: a perda definitiva de peso. Através do caso da participante, pode-se comprovar a eficácia desse programa, que não ensina a “fechar a boca” por uma temporada, ou se policiar por alguns meses. Ele ensina técnicas que poderão ser usadas pelo resto da vida. Com uma abordagem simples, de fácil compreensão e destinada ao público em geral, o livro de Beck (2008) mostrou-se perfeitamente adaptável, e eficaz, a clínica psicoterapêutica.
Referências
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Rangé, B. (2001). Psicoterapias Cognitivo Comportamentais: um dialogo com a psiquiatria. Porto alegre, Brasil: Artmed editora.
Notas
- 1. Cynthia de Freitas Melo Lins. Doutora em Psicologia. Professora da Universidade Estadual do Ceará e do Programa de Pós-Graduação da Universidade de Fortaleza. Av. Sargento Herminio 1415, apto 1503‑A, violeta. Bairro Monte Castelo. Fortaleza, Ceará, Brasil. CEP. 60320–105. Endereço eletrônico: cf.melo@yahoo.com.br