Análisis del impacto psicológico en los pacientes y sus familiares como consecuencia del pacto de silencio: revisión de la literatura
Letícia Dayane de Oliveira Dantas[1] y Monyque Paula Pereira dos Santos[2]
Universidade Potiguar, Estado do Rio Grande do Norte
Resumo
O objetivo do presente estudo é compreender o fenômeno da conspiração do silêncio e seus respectivos impactos psicológicos ao paciente oncológico. Quanto à metodologia, trata-se de uma revisão de literatura de periódicos nacionais e internacionais na base de dados BVS. Os descritores utilizados na realização das buscas foram pacto do silêncio; conspiración del silencio; conspiração do silêncio; paciente terminal e família. Foram selecionados 9 artigos que estavam disponíveis gratuitamente, na versão espanhol ou português, relacionados ao contexto hospitalar e coerente com o objetivo do estudo. Os resultados demonstram alta incidência da conspiração do silêncio no âmbito oncológico o que pode ser motivado conforme uma tentativa de evitação de sofrimento, crença familiares, ansiedade, temor da morte ou dificuldade de comunicação. Conclui-se que o pacto do silêncio como uma tentativa de proteger, interfere na elaboração do processo de fim de vida dos pacientes e familiares envolvidos além de promover limitações aos envolvidos.
Palavras-chave: pacto do silêncio; conspiração do silêncio; conspiración del silencio; paciente terminal e família.
Resumen
El objetivo del presente estudio es comprender el fenómeno de la conspiración del silencio. y sus respectivos impactos psicológicos en pacientes con cáncer. En cuanto a la metodologia, se trata de una revisión bibliográfica de revistas nacionales e internacionales en la base de dados de la BVS. Los descriptores utilizados en la realización de las búsquedas fueron pacto do silêncio; conspiración del silencio; conspiração do silêncio; paciente terminal e família. Se seleccionaron 9 artículos de libre acceso, en español o portugués, relacionados con el contexto hospitalario y acordes con el propósito del estudio. Los resultados demuestran una alta incidencia de la conspiración del silencio en el contexto oncológico, que puede estar motivada por un intento de evitar el sufrimiento, creencias familiares, ansiedad, miedo a la murte o dificultad de comunicación. Se concluye que el pacto de silencio, como intento de protección, interfiere en la elaboración del proceso de final de vida de los pacientes y familiares involucrados, además de promover limitaciones a los involucrados.
Palabras clave: pacto do silencio; conspiración del silencio; conspiración del silencio; paciente terminal y familia.
Introdução
O câncer não é uma doença atual, foi detectado a mais de 3 mil anos a.C em múmias egípcias, mas é ainda hoje um dos principais problemas de saúde pública do Brasil e do mundo. Atualmente há mais de 200 tipos de tumores identificados, que têm em comum o crescimento desordenado de células que tendem a invadir órgãos e tecidos próximos, sem causa específica. Genética, estilo de vida, hábitos cotidianos e alimentares tem suma relevância para o desenvolvimento da doença, que se manifesta sem discriminação de sexo, idade ou classe social (Hart, 2008; Inca, 2023; Thuler; Sant’ana; Rezende, 2011).
O diagnóstico oncológico, mesmo com sua prevalência atual, é algo que provoca muitos impactos ao paciente e familiares. Percebe-se uma aparente relação entre o câncer e a morte, sobre isso Àries (1977) aponta que o câncer passa a assumir as características associadas a sentença de morte, pois ambas são provocadoras de medo, angústia, recusa e são dois eventos paralelos e apavorantes.
A atual concepção sobre a doença é reflexo de uma antiga e longa construção histórica desde a antiguidade até os dias atuais. Em virtude disso, evidências de Àries (1977), postulam que a construção social da morte passou por diversas e distintas definições, sendo considerada como um evento familiar, esperado e bem aceita até ser vista como algo necessário de se esconder e que não pode falar sobre tal, tida como um tabu. Passou a ser percebida como um evento de intensa recusa, tanto que a partir do momento que se é identificado um risco grave que ameace a vida de um integrante da família, os próprios tendem a agir prontamente escondendo informações como uma tentativa de evitar sofrimento, e o enfermo é retido de saber sobre sua condição clínica.
O que devia ser conhecido é, a partir de então, dissimulado. O que devia ser solene, escamoteado. É tácito que o primeiro dever da família e do médico é o de dissimular a um doente condenado a gravidade de seu estado. O doente não deve saber nunca (salvo em casos excepcionais) que seu fim se aproxima. O novo costume exige que ele morra na ignorância de sua morte. (Àries, 1977, pp. 219)
A morte, assim como o câncer, é uma temática que provoca inquietações, especialmente no contexto hospitalar. Podemos apontar como fator contribuinte para tal fato a concepção que o hospital é um ambiente curativista. Entretanto, essa ideia é reforçada desde a formação dos profissionais, visto que está é direcionada sobretudo para a atribuição de salvar vidas e nesse processo pouco se reflete sobre aspectos afetivos e cognitivos atrelados a possibilidade da morte e do morrer. Por meio disso, instaura-se as dificuldades do médico em relação a comunicação de más notícias e ainda, as pesquisas evidenciam a falta de preparo para isso (Kovács, 2010; Rodriguez, 2014).
Mesmo após os avanços científicos e tecnológicos, ainda hoje o câncer veste a roupagem das antigas representações da morte. Àries (1974) expõe que o contexto oncológico é permeado por muitos estigmas, entre eles: inevitabilidade da morte, explicações equivocadas da etiologia, câncer como doença repugnante ou contagiosa, dor intensa, morte iminente. E todas essas ideias acabam por interferir na comunicação entre a equipe e os demais envolvidos, além de colaborar na perpetuação de medos e receios em relação ao processo de fim de vida (Mateo; Agea, 2019; Veit; Carvalho, 2010).
Percebe-se que antes do século XX a moral obrigava informar ao doente sua real condição de vida, entretanto com o passar do tempo, omitir a verdade sobre a condição clínica do indivíduo torna-se um ato de proteção para os sobreviventes. Mas até onde essa inversão pode ser benéfica para os sujeitos? Existe impacto emocional na vivência da conspiração do silêncio para pacientes oncológicos? Por qual razão o pacto do silêncio norteia a realidade oncológica?
É necessário ainda apontar que apesar da escolha pelo pacto do silêncio ser uma atitude frequente em ambiente hospitalar e especialmente no contexto oncológico, conforme aponta Marrero, et al. (2016), tem sido um tema pouco explorado. Vale ressaltar que há poucos materiais sobre a temática e que grande parte dos artigos estão relacionados a conduta e o manejo na comunicação médica.
Métodos
Foi realizada uma pesquisa bibliográfica na base de dados Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) no período de 2008 a 2023. Foram incluídos artigos de periódicos nos seguintes idiomas: português e espanhol. Os descritores utilizados na realização das buscas foram pacto do silêncio; conspiración del silencio; conspiração do silêncio; paciente terminal e família. Ainda, os descritores booleanos utilizados buscaram a seguinte associação: pacto do silêncio AND conspiração do silêncio; paciente terminal AND conspiración del silencio e conspiração do silêncio AND paciente terminal OR família. Foi utilizado como critério de inclusão os artigos na versão completa que estavam disponíveis gratuitamente, que atendiam aos objetivos do estudo e que fossem relacionados ao contexto hospitalar. Por outro lado, quanto aos critérios de exclusão, foram refutados os artigos em duplicidade, estudos não disponíveis gratuitamente e que não tinham relação com o âmbito hospitalar. A partir dessa metodologia, foi possível selecionar uma população de 36 artigos, sendo que 9 foram selecionados para o estudo e constituíram a amostra utilizada nesta revisão.
Resultados
Nesta pesquisa de revisão bibliográfica foram analisados nove artigos da base de dados BVS, com destaque para escassez de estudos foram considerados dois artigos de 2014 e dois de 2012, um artigo em 2008, 2015, 2017, 2018 e 2019 não sendo encontrado materiais sobre o tema pesquisado nos outros anos que faziam parte do recorte de tempo estabelecido para o estudo.
Tabela 1 – Síntese dos artigos levantados da base de dados BVS de acordo com título, autores, ano de publicação, periódicos e considerações/temática, 2023.
Título do artigo | Autores/ Ano de publicação | Periódicos | Considerações/Temática |
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O fenômeno da conspiração do silêncio em pacientes em cuidados paliativos: uma revisão integrativa | Juliana Costa Machado; Helca Franciolli Teixeira Reis; Edite Lago da Silva Sena; Rudval Souza da Silva; Rita Narriman Silva de Oliveira Boery; Alba Benemérita Alves Vilela. 2019 | Revista Electrónica Enfermaria Actual em Costa Rica | Identificou que a comunicação permite assimilação gradual da realidade, contribui para a aproximação de pessoas e diminui os impactos emocionais. Expõe estratégias que favorecem a diminuição da conspiração do silêncio. Traz contribuições sobre a perspectiva do pacto do silêncio no Brasil e na Espanha. |
El pacto de silencio en el final de la vida. Un análisis cualitativo sobre la perspectiva de los implicados em el fenómeno | Cristina Lope Mateo; José Luís Díaz Agea. 2019 | Medicina paliativa | Identifica o pacto de silêncio como aspecto cultural na Espanha. Expõe a influência da idade, recursos econômicos, nível socioeducativo, cultura e crenças religiosas na optação pelo velamento da verdade, além de seus pontos positivos. Câncer e morte como tabu social. O paciente sabe mais do que se pensa. |
El pacto de silencio en los familiares de los pacientes oncológicos terminales | Maria de los Ángeles Ruiz-Benítez de Lugo; Maria Cristina Coca. 2008 | Psicooncolo-gía | Alta incidência do pacto do silencio nos familiares oncológicos. Associação entre a conspiração do silêncio e o nível educativo. Para os familiares o medo das repercussões negativas é o fator que tem mais influência na decisão sobre o pacto do silêncio. |
El pacto de silencio desde el punto de vista de las personas cuidadoras de pacientes en cuidados paliativos | Ángela Cejudo López; Begoña López López; Miguel Duarte Rodríguez; María Pilar Crespo Serván; Concepción Coronado Illescas; Carlota de la Fuente Rodríguez. 2015 | Psicologia Revista | Identificou contrapontos entre a realidade brasileira e espanhola sobre a conspiração do silêncio. Suspeita do paciente saber sobre a verdade. A conspiração surge mediante um bloqueio da comunicação profissional-paciente feito pela família. Dissimulação de sentimentos. Morte como fracasso da medicina, relação paternalista. |
Conspiración de silencio y malestar emocional en pacientes diagnosticados de glioblastoma multiforme | José Luis Díaz-Cordobés; Juan Antonio Barcia; José María Gallego-Sánchez; Pilar Barreto. 2012 | Psicoonco-logia | Há duas razões por optar pelo pacto do silêncio: a dificuldade da família para enfrentar o sofrimento que sucede e a dificuldade dos profissionais na comunicação de más notícias. Influência da comunicação nos níveis de ansiedade e depressão do paciente. Pacto do silêncio como aspecto cultural na Espanha e como tentativa falha para a evitação do sofrimento. |
Despedida silenciada: equipe médica, família, paciente – cúmplices da conspiração do silêncio | Maria Inês Fernandez Rodriguez. 2014 | Psicologia Revista | Indica possíveis estratégias interventivas para diminuir a conspiração do silêncio, assim como suas causas e consequências. É vedado ao médico desrespeitar o direito do paciente em saber sobre seu diagnóstico, prognóstico, risco e plano de tratamento. |
A conspiração do silêncio no ambiente hospitalar: quando o não falar faz barulho | Camila Christine Volles; Greici Maestri Bussoletto; Giseli Rodacoski. 2012. | Revista da Sociedade Brasileira da Psicologia Hospitalar | O silêncio é um denunciador em que nele se esconde a angústia, receios e os medos diante do adoecer. No entanto, muitos pacientes fingem não saber sobre a verdade. |
Conspiración de silencio en familias de pacientes oncológicos en etapa terminal | Lic. Xiomara de la Caridad Guilarte Marrero; Dra. C. Carmen Regina Victoria Garcia-Viniegras; Lic. Baelkus Leidis Gonzáles Blaco. 2016 | Revista del Hospital Psiquiátrico de La Habana | Expõe crenças acerca do câncer, morte e da comunicação da verdade. Pacto do silêncio como forma dos familiares em lidar com seus próprios atravessamentos emocionais. Os pacientes oncológicos passam a perceber que algo não vai bem por meio das atitudes e discursos dos demais envolvidos |
Conspiración de silencio: una barrera en la comunicación médico, paciente y familia | Nataly R. Espinoza-Suárez; Carla Milagros Zapata del Mar; Lina Andrea Mejía Pérez. 2017 | Revista de Neuro-Psiquiatría | Expõe os sentimentos associados a conspiração do silêncio. Além de trazer estatísticas sobre o Brasil em relação a falar ou não falar sobre a enfermidade do paciente. |
Fonte: Elaboração da autora.
A partir da análise das pesquisas foi desenvolvido três categorias: (1) Caracterização do pacto do silêncio, (2) Atravessamentos psicológicos nos pacientes e envolvidos em decorrência do pacto do silencio e (3) Impasses acerca da comunicação: falar ou não falar?
Discussão
1. Caracterização do pacto do silêncio
Falar sobre doenças ameaçadoras da vida, progressão de doença de forma desfavorável, possibilidade de morte iminente é extremamente desafiador, e em decorrência disso é perceptível a intensificação das barreiras de comunicação quando se trata sobre o tema (Ruiz-Benítez; Coca, 2008). Em uma tentativa de evitação de sofrimento adicional, se opta por não contar toda a verdade sobre o diagnóstico e prognóstico ao paciente e para explicar tal atitude há dois contrapontos onde por um lado está a dificuldade da família de enfrentar o sofrimento originado pela realidade e do outro está a dificuldade dos profissionais em proporcionar notícias ameaçadoras e difíceis. (Cordobés et al, 2012).
Considerando que notícias ruins não são esperadas, mas fazem parte da vivência dos seres humanos. Evidências apontam que poupar o sofrimento dos entes queridos é algo muito mais comum do que se possa imaginar e que se manifesta por meios de diversos comportamentos, inclusive, o pacto do silêncio que de certa forma denota a subestimação direcionado ao outro e o forte paternalismo familiar. O pacto ou a conspiração do silêncio é descrita como o acordo (implícito ou explicito) realizado entre familiares, amigos e equipe com o intuito de esconder, omitir ou alterar informações a respeito do diagnóstico ou prognóstico ao paciente de forma total ou parcial, na tentativa de poupá-lo de sofrimento (Machado et al., 2018; Mateo; Agea, 2019; Rodriguez, 2014; Ruiz-Benítez; Coca, 2008; Volles; et al., 2012).
Mateo e Agea (2019), revelam que há aspectos positivos na conduta da ocultação da verdade, como: evitação de reações emocionais imprevisíveis dos pacientes e familiares diante dos profissionais e que, além disso, as pessoas acreditarem que está tudo bem facilita e traz certa tranquilidade para o contexto hospitalar que é o ambiente no qual se aceita, de forma cultural, manter o paciente sem informações sobre sua condição clínica e que de maneira geral, compreende a tentativa da proteção.
Os familiares se sustentam na premissa de que o paciente não daria conta de receber as informações que lhe fosse passada para justificar a proteção tida pela decisão de não contar e a partir disso optam pelo pacto do silêncio como forma de blindar a pessoa adoecida. Porém, muitas vezes, implícito nesse silenciar, esconde-se os próprios receios dos familiares em relação ao temor da morte, acreditando, muitas vezes, que o paciente irá piorar a partir do momento que ele tiver ciência total da sua condição ou até mesmo de que não irá conseguir sustentar emocionalmente as informações passadas (Rodriguez, 2014; Volles et al., 2012).
Ainda, conspiração do silêncio pode ser explicada como uma negação do cuidador em relação a enfermidade e ao processo de fim de vida do seu ente querido. Volles, et al., (2012), quando estuda as possíveis motivações das escolhas nos familiares, expõe que a negação comumente é uma defesa temporária, no qual é progressivamente substituída por uma aceitação parcial e que se caracteriza como uma forma de preparar o sujeito para encarar a realidade.
O pacto do silêncio é, muitas vezes, caracterizado também como uma proteção mútua entre o paciente e familiar, em que ocorre uma encenação de ambos os lados no qual um finge do outro não saber sobre a gravidade da situação presente, pois essa foi a forma encontrada para dissimular a própria dor e a dor do outro, mas que propicia mortes solitárias. (Mateo; Agea, 2019; Rodriguez, 2014; Volles,et al., 2012).
2. Atravessamentos psicológicos nos pacientes e envolvidos em decorrência do pacto do silêncio
O silêncio é uma forma de expressão e comunicação em que por trás dessas barreiras em torno da verdade pode estar camuflado dificuldades de comunicação entre a tríade envolvida (paciente, familiar e equipe), ausência de comunicação eficaz, ou ainda, as próprias crenças dos familiares em relação ao câncer, ao processo de morte e as repercussões das informações ao paciente, como: estigmatização acerca do câncer; morte como processo de angústia insuportável; informação como sendo desencadeadora de ansiedade e depressão; ou intensificação da desesperança e perda de interesse pela vida desencadeando a concepção de ser um sofrimento desnecessário (Cejudo López et al., 2015; Marrero; García-Viniegras; Blanco, 2016; Rodriguez, 2014). Tais estigmas colabora na decisão pelo velamento da verdade, onde o que se prepondera é uma comunicação artificial ou até mesmo o completo silêncio que entrega, denuncia e deixa claro a presença de um problema (Volles et al., 2012).
Sustentar o paciente na ignorância da sua enfermidade pode propiciar a ele maior desconfiança, insegurança, isolamento, sentimento de incompreensão ou de estar sendo enganado, influencia no aumento dos seus níveis de depressão e ansiedade, dificulta o processo de adaptação a doença, além de serem impossibilitados de encerrarem assuntos importantes e de desabafar sobre questões emocionais. A partir disso, o sujeito perde sua voz ativa em relação ao seu próprio processo de finitude e é excluído do seu papel ativo da sua vida (Mateo; Agea, 2019; Rodriguez, 2014; Ruiz-Benítez; Coca, 2008; Volles; et al., 2012).
Aos familiares, percebe que o silêncio vem acompanhado de angústia, sobrecarga, irritabilidade, raiva, frustração, dor, culpa, medo da morte do familiar ou de repercussões negativas ocasionadas pela verdade, sentimento de impotência, incertezas, tensão e intenso sofrimento. Ruiz-Benítez e Coca (2008), destacam em sua pesquisa que o fator que tem mais peso para a ocultação da verdade entre os familiares é o medo de repercussões negativas que podem surgir na revelação da verdade. Contudo, percebe-se que o sentimento de angústia se prolonga após o óbito do paciente, pois as pesquisas apontam um intenso arrependimento do cuidador por não ter agido com honestidade e não ter falado toda a verdade sobre a enfermidade para o familiar, essa sensação provoca dificuldades no enfrentamento e na elaboração do luto. Além disso, as repressões das emoções negativas geram uma sensação de entorpecimento e por meio disso a explosão e/ou o isolamento físico e emocional torna-se a via de expressão mais presente entre os familiares (Marrero; et.al, 2016; Mateo; Agea, 2019; Rodriguez, 2014; Ruiz-Benítez; Coca, 2008; Volles; et al., 2012).
Portanto, percebe-se que o pacto do silêncio traz prejuízos para ambos, seja paciente ou familiar, pois por meio disso há o impedimento de ocorrer despedidas, assim como reconciliação que talvez fossem necessárias, conversas sobre lembranças da vida que os ajudariam a fortalecer laços e o amor, além de romper com a oportunidade de ambos encerrarem assuntos pendentes e/ou reorganizar e adaptar suas vidas a nova realidade (Marrero; García-Viniegras; Blanco, 2016; Mateo; Agea, 2019; Rodriguez, 2014).
O nível econômico influencia significativamente na concepção tida sobre a doença e consequentemente na comunicação ofertada. Mateo e Agea (2019) afirmam que pessoas que tem uma classe econômica mais favorável tende a ter mais dificuldade em relação ao inevitável, pois, segundo o autor, ter muitos recursos econômicos oferece uma falsa sensação de poder sobre a morte. Em contrapartida, pessoas com menores níveis socioeconômicos tendem a ter mais amadurecimento emocional e espiritual que facilita no processo de aceitação da vida com mais naturalidade. Outro fator considerado pelos autores descritos é a idade. Os mesmos afirmam que há uma maior predisponência de que pacientes mais velhos tendem a ser o público que menos sabem sobre suas condições clínicas. Mateo e Agea (2019) ainda trazem acerca do nível socioeducativo, percebendo também que quanto menor este nível há uma propensão maior em optar pelo pacto do silêncio.
3. Impasses acerca da comunicação: falar ou não falar?
Cordobés et al. (2012), destaca em sua pesquisa que entre 80 e 90% dos pacientes que estão em processo ativo de morte sabem que vão morrer e que 70% deles gostariam de poder falar sobre isso com seus entes queridos. Em contrapartida, apenas 40% dos familiares estariam de acordo a informar ao paciente sobre sua enfermidade. Além disso o autor expõe que por mais que a intenção do ato seja benéfico, a conspiração do silêncio não consegue diminuir o sofrimento que acreditava estar associado a comunicação como se pretendia com a ocultação ou dissimulação da verdade, e ainda desencadeia repercussões emocionais negativas ao paciente. E o não falar se desvela como algo angustiante e assustador para o paciente, pois assim ele fica submisso ao completo desconhecido, sem voz ativa e fora do seu papel de protagonista da sua vida, como demonstra Volles, et al. (2012).
As pesquisas que retratam o contexto da conspiração do silêncio na Espanha, expõe que por mais que seja um direito resguardo ao paciente saber sobre sua enfermidade, na prática, quando há risco de vida os cuidadores é quem são as pessoas destinatárias das informações. Pois, existe no país um acordo tácito, construído de maneira cultural, em que a comunicação deve ser sempre feita primeiramente a família e é ela quem fica responsável pela decisão de repassar ou não a informação ao paciente. Por meio disso, percebe-se que a conspiração do silêncio na Espanha é relativamente frequente, em que há cerca de 61–79% de casos em que as famílias optam por não contar ao paciente sobre seu diagnóstico e prognóstico (Cejudo López et al., 2015; Cordobés et al., 2012; Espinoza-Suárez; Zapata Del Mar; Mejía Pérez, 2017; Machado et al., 2019; Mateo; Agea, 2019).
Já no Brasil pouco se discute sobre a temática da conspiração do silêncio, mesmo sendo cada vez mais vivenciada pela equipe na área da saúde, e tal fator evidência a importância da temática que repercute em questões relacionadas a ética da equipe envolvida. Em relação as pesquisam levantadas no país entre pacientes com câncer, profissionais sanitários e as famílias, a grande maioria concorda em informar os pacientes sobre sua condição de terminalidade (Machado et al., 2019; Cejudo López et al., 2015). Ainda, de acordo com Belido M. (2014, apud Espinoza-Suárez; et.al. 2017, p. 130) há uma taxa de incidência de 92% de paciente com câncer, 79,2% de profissionais de saúde e 74,7% de familiares que consideram importante falar sobre a situação de terminalidade ao paciente.
Profissionais comprovam que o conhecimento sobre o diagnóstico e o prognóstico pode influenciar positivamente no enfrentamento da enfermidade terminal, apesar do impacto inicial, podendo ajudar a: encerrar assuntos pendentes, melhorar sintomas, facilitar a expressão emocional e favorecer os físicos, promover maior autonomia na tomada de decisões e ajudar no processo de despedidas e luto (Mateo; Agea, 2019). Tendo a comunicação como fator fundamental, que tem relação direta com a adesão ao processo terapêutico e o próprio estado de ânimos dos envolvidos.
Machado et al. (2019) e Rodriguez (2014), pontua estratégias possíveis para diminuir a conspiração do silêncio, vista como um fenômeno que desencadeia repercussões negativas, mas ainda muito latente na atualidade, como: incialmente identificar a existência do pacto, investigar sobre o motivo pelo qual ele iniciou, sem julgamentos, e a partir disso, explicar a família sobre consequências que o silêncio pode gerar, ajuda-las a compreender as notícias em relação ao prognóstico da doença e quando estiverem mais confortável em lidar com as demandas do paciente e com as informações, o médico pode propor a conversar com o paciente, buscando entender primeiro o que o paciente já sabe para depois lhe informar o que for de interesse dele, tendo em vista que abordar as más notícias sem pressa entendendo‑a como um processo rodeado de dúvidas que podem e devem ser sanadas levando em consideração as emoções e limites observados dos pacientes e familiares.
Entretanto, é imprescindível haver uma atuação de maneira mais ética possível, habilidade de comunicação e de manejo de situações complexas. Os profissionais que atendem pacientes terminais precisam se especializar em cuidados paliativos e em habilidades de comunicação, pois de acordo com Rodriguez (2014) “[…] comunicação hábil é ferramenta importante quando a tecnologia já não apresenta auxílio” (pp.269), (Cejudo López et al., 2015; Mateo; Agea, 2019; Rodriguez, 2014).
Marrero, et. al., (2016); Mateo; Agea (2019); Volles; et al., (2012), apontam que a maioria das conspirações do silêncio afetaram mais o prognóstico do que o desconhecimento do diagnóstico. Pois segundo eles, os pacientes oncológicos conhecem de alguma forma sua condição real de saúde bem mais do que é dito, apesar de não falar sobre isso com seus familiares, ou seja, eles não se encontram em uma situação de desinformação integral e por meio de tantos silêncios, cuidados e da expressão comportamental dos familiares, amigos e da equipe de saúde o paciente passa a desconfiar e perceber que algo não vai bem.
Conclusão
Independente do país, percebe-se que uma comunicação eficaz e eficiente entre equipe, familiares e paciente pode favorecer a assimilação gradual da realidade, fornecer autonomia ao paciente na condução de suas atitudes, amenizar as dúvidas, medos, receios e insegurança até mesmo contribuir na minimização de níveis de quadros ansiogênicos e depressivos, além de ser um recurso útil para lidar com a enfermidade, pois permite uma maior expressão da dor e dos sentimentos, e assim a existência de acolhimento, além de ser uma possibilidade dividir o sofrimento e a partir disso vivenciar a situação de maneira menos angustiante.
No processo de fim de vida é preciso lidar com decisões, informações novas a todo instante, além de perdas reais ou simbólicas, o que demanda muita organização emocional. E o silêncio, nesse contexto, propicia muitas limitações e impedimentos e se configura como uma falha tentativa de proteção aos pacientes. Em contrapartida, a comunicação quando realizada de maneira clara e eloquente propicia repercussões positivas, como a garantia da autonomia do paciente em tomar suas próprias decisões e favorece a elaboração de um processo de terminalidade pautada em novos sentidos, onde o sujeito e os seus familiares conseguem vivenciá-lo com menos impactos emocionais, por mais doloroso que seja.
Este tema torna-se de extrema importância de ser discutido perante sua alta taxa de incidência e das consequências geradas para o paciente e familiar, principalmente na realidade oncológica, em que se vivencia mortes silenciadas.
Referências
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Notas
- Graduanda do curso de Psicologia da Universidade Potiguar, Estado do Rio Grande do Norte. Correio eletrônico: leticiadayane2013@hotmail.com.br ↑
- Psicóloga. Especialista em atenção à saúde. Universidade Potiguar, Estado do Rio Grande do Norte. Correio eletrônico: monyquesantospsi@gmail.com ↑